Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 17, 1-33, e023003, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834
Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto
Escolas camponesas e racionalidade ambiental: um estudo sobre as experiências agroecológicas no Estado de Chiapas, México
Peasant schools and environmental rationality: a study of the agroecological experiences in the State of Chiapas, Mexico
Letícia da Costa e Silva, Emanuel Gómez-Martínez, Jesús Geovani Alcázar-Sánchez
Resumo No México, é possível observar a racionalidade ambiental nas ações sociais de organizações de agricultores familiares ecológicos que buscam praticar um modo alternativo de fazer agricultura. Para compreender a manifestação dessa racionalidade objetiva-se analisar o caso das Escolas Camponesas de Chiapas-Mx. Para responder a esse objetivo, foram aplicadas entrevistas abertas aos principais dirigentes de cinco experiências ligadas à Rede de Escolas Camponesas de Chiapas e entrevistas estruturadas com 38 de seus participantes. Um esquema analítico foi desenvolvido para auxiliar a análise dos dados a partir de conceitos de autores da teoria do campesinato, da teoria ambiental e da teoria crítica da administração, bem como do campo realizado. As escolas são tidas como organizações substantivas onde a racionalidade ambiental se manifesta por meio do diálogo dos saberes científicos e tradicionais e da submissão das motivações econômicas aos imperativos socioambientais, como a agroecologia, a justiça social e a educação popular. Palavras-chave: organizações camponesas; movimentos sociais; agricultura ecológica; justiça socioambiental; educação popular. Abstract In Mexico, it is observed the environmental rationality in the social actions of ecological peasant’s organizations that aim to practice an alternative way of agriculture. To comprehend the manifestation of this rationality, the case of the Peasant’s School is studied. It was applied one open interview with the main representatives of the five experiences of the Peasant's Schools Network in Chiapas and one structured interview with 38 peasants of this network. An analytical scheme was developed to assist the data analysis from concepts of researchers of the peasantry theory, the environmental theory, and the managing critical theory, as well from the field work experience. The schools can be characterized as substantives organizations where the environmental rationality takes place, by the scientific and traditional knowledge dialogue and the submission of the economics’ motivations to the socioenvironmental imperatives, such as agroecology, social justice, and popular education. Keywords: peasant's organizations; social movements; ecology agriculture; socioenvironmental justice; popular education. | Submissão: Aceite: Publicação: |
Citação sugerida DA COSTA E SILVA, Letícia; GÓMEZ-MARTÍNEZ, Emmanuel; ALCÁZAR-SÁNCHEZ, Jesús. Escolas camponesas e racionalidade ambiental: um estudo sobre as experiências agroecológicas no Estado de Chiapas, México. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 17, p. 1-33, e023003, jan./dez. 2022. Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). |
Introdução
O modelo da modernização da agricultura mundial posta em marcha após o fim da Segunda Guerra Mundial, se fundamenta, conforme Brandenburg (2010a; 2010b), na expansão da lógica urbano-industrial (dominante) em direção ao campo. Tal lógica, orienta as ações sociais à produtividade e eficiência para fins da acumulação, o que no campo consagrou a empresa rural (agribusiness) como única forma de modernizar a agricultura, pautada no uso de Fertilizantes químicos, sementes modificadas, mecanização da produção e endossada pelas políticas públicas, pelas práticas de mercado e cultura produtiva dominante. Tal modelo, continua Leff (2006), defende a exclusividade da racionalidade instrumental capitalista entre as práticas agrícolas e considera as práticas não alinhadas a ela como irracionais, dando origem, conforme identifica Ploeg (2008), às empresas capitalistas agrícolas, como também aos agricultores familiares modernizados, os quais, diferentemente de outros tipos da agricultura familiar, absorvem mais elementos da lógica empresarial da racionalidade instrumental capitalista.
A expansão dessa racionalidade no campo intensificou e ainda intensifica práticas depredatórias e degradantes impostas à natureza e às culturas diversas, levando a movimentos de resistências pautados na racionalidade ambiental, como o movimento agroecológico. Esse movimento, conforme Sevilla-Guzmán (2006), rejeita o uso de produtos químicos, de organismos transgênicos e o empobrecimento e a dependência da agricultura tradicional. Seguindo essa orientação, surge a agroecologia que é considerada ao mesmo tempo como uma ciência transdisciplinar, uma prática agrícola e um movimento social (ALTIERI, 2009; SEVILLA-GUZMÁN, 2006; WEZEL et al., 2009).
Ela parte de sistemas produtivos considerados como ecossistemas buscando criar um paradigma alternativo que promova a agricultura local e a produção nacional (SAIN y GUILLÉN, 2009). Se baseia no diálogo dos saberes (LEFF, 2006), o qual articula de forma equitativa os distintos saberes técnicos e agronômicos provenientes da academia e dos conhecimentos dos camponeses, o qual “permite conformar una lógica productiva anclada en las condiciones climáticas, culturales, sociales y territoriales de cada espacio local” (PÁSTOR et al. 2017, p. 17). Além disso, como movimento, segundo Sevilla-Guzmán (2006), rejeita o empobrecimento e a dependência da agricultura convencional.
Segundo Leff (2006), a racionalidade ambiental orienta as ações do movimento agroecológico, visando com que as práticas sociais estejam pautadas pela ética da sustentabilidade, que, diferente do paradigma dominante, submete a racionalidade instrumental à racionalidade substantiva relacionadas a uma relação harmônica entre sociedade e natureza. Há uma relação de coprodução entre diferentes culturas e a natureza por meio do resgate de valores e práticas tradicionais e da absorção de valores e práticas sustentáveis de outras culturas e da ciência (ibid.).
No México a agricultura tem suas origens nos costumes de manejo mesoamericanas, que se combinaram, a partir do séc. XVI, com práticas agrícolas importadas da Europa e das experiências de manejo que foram introduzidas por escravos vindos da África Central (MARIACA et al. 2013). Conhecimentos ancestrais agrícolas ainda se preservam no país, sendo caracterizados por uma estreita relação com a biodiversidade e com as culturas das comunidades. Apesar disso, o padrão de produção hegemônico ou mesmo as necessidades dos camponeses podem dirigi-los a uma prática sustentável ou insustentável (HERNÁNDEZ, 1989; SAÍN Y GUILLÉN, 2009).
As terras do estado de Chiapas são distribuídas na seguinte proporção: 51% delas são bosques e florestas, 24% são pastos naturais e induzidos ocupados por gado e 23% são usadas para a agricultura (INEGI, 2017). Ainda, é um dos estados mais pobres e desiguais do país. Em 2018, e 76,4% da população da Chiapas vivia em situação de pobreza, 46,7% em pobreza moderada, e 29,7% encontrava-se em pobreza extrema (CONEVAL, 2020, p. 14). E acordo com o dados oficiais (SIAP, 2019), existem 29.997 hectares (ha) em México que se encontram em conversão de produção convencional para a orgânica e existem 164.974 ha certificados. No país, os principais estados produtores de alimentos orgânicos são: Chiapas, Oaxaca, Michoacán, Chihuahua y Guerrero, que concentram 82,8% da superfície orgânica total.
Para além das experiências produtivas ecológicas, Chiapas também possui diversos movimentos sociais camponeses que buscam expandir uma racionalidade alternativa à capitalista considerando a especificidade camponesa, as lutas de seus povos e a uma prática agrícola mais sustentável, associando-se ao movimento agroecológico.
Assim, esta pesquisa busca compreender a racionalidade ambiental das organizações camponesas de Chiapas, por meio do caso das Escolas Camponesas (ESCAMPs). No México, Escolas Camponesas é um conceito usado para nomear diferentes experiências de educação popular, por exemplo, centros de formação dirigidos por camponeses, universidades indígenas e centros de experimentação agroecológica (GÓMEZ-MARTÍNEZ; MATA-GARCÍA; GONZÁLEZ-SANTIAGO, 2017). Para tanto, em 2017 foram realizadas observações participantes a cinco ESCAMPs Chiapanecas, uma entrevista aberta exploratória com representantes das escolas e uma outra estruturada aplicada com 38 agricultores vinculados a elas.
Este artigo está estruturado de forma a, primeiramente, explicar, a partir da revisão de literatura a racionalidade ambiental no meio rural. Na sequência, os caminhos metodológicos são descritos. Em seguida, as cinco ESCAMPs são apresentadas, bem como os agricultores membros delas. Por fim, antes da conclusão, a racionalidade ambiental dessas organizações é analisada.
A racionalidade ambiental no meio rural
O modelo da modernização da agricultura mundial, segundo Leff (2006), defende a exclusividade da racionalidade instrumental capitalista entre as práticas agrícolas e considera as práticas não alinhadas a ela como irracionais. A exclusividade dessa racionalidade dá origem, conforme identifica Ploeg (2008), às empresas capitalistas agrícolas, como também aos agricultores familiares convertidos ao paradigma hegemônico e suas organizações, os quais, diferentemente de outros tipos da agricultura familiar, absorvem mais elementos da lógica empresarial da racionalidade instrumental capitalista.
Quando essa racionalidade dominante se vê impedida de se expandir diante dos limites da natureza, inicia-se um processo de ressignificação do mundo e da natureza, por meio da articulação entre ecologia e cultura, para a construção de uma racionalidade ambiental cujo objetivo é a sustentabilidade socioambiental (LEFF, 2006). Tal racionalidade se manifesta no movimento ecológico e ambientalista onde valores e ações relacionadas à reapropriação dos recursos naturais são privilegiadas (SILVA 2018), sendo um desses o movimento agroecológico (SEVILLA-GUZMÁN, 2006).
Segundo Leff (2006), a racionalidade ambiental, orientadora das ações do movimento agroecológico, defende que as práticas sociais devem estar orientadas à ética da sustentabilidade, que, diferente do paradigma dominante, submete a racionalidade instrumental à racionalidade substantiva na busca por uma relação harmônica entre sociedade e natureza. Há uma relação de coprodução entre diferentes culturas e a natureza por meio do resgate de valores e práticas tradicionais e da absorção de valores e práticas sustentáveis de outras culturas e da ciência (ibid.).
Sob outra perspectiva, no que chama de “Ecologia dos saberes”, Santos (2018) observa que há muitas formas de viver a globalização, e nem sempre em harmonia, muitas vezes em conflito direto. Por exemplo, "a luta dos camponeses pobres de todo o mundo contra o monopólio de terras e os monocultivos agroindustriais", expressa interesses diversos, e, pelo mesmo motivo, não existe uma alternativa única e totalizante, de modo que uma abordagem multiepistemológica se faz necessária. (SANTOS, 2018).
Reconhecer que a ciência não é a única forma de raciocinar, e que a economia globalizante não é necessariamente a prioridade dos povos camponeses, implica reconhecer os diversos sistemas tradicionais de conhecimento e práticas agrícolas, econômicas e sociais, no que Shiva chama de processo de democratização do conhecimento, com uma perspectiva decolonial (SHIVA, 1993).
Nesse sentido, a distinção que Leff faz em relação à racionalidade é muito relevante. Considerando que a perspectiva ambiental fundamenta um tipo de racionalidade diferente da econômica, na qual se enquadram modos alternativos de pensar e dirigir a organização social, que não perseguem necessariamente a racionalidade econômica ou instrumental como seu objetivo final.
Leff (2006), ao se basear nas racionalidades propostas por Weber, entende que a diferenciação da racionalidade ambiental daquela produzida pelo processo de racionalização das sociedades modernas (a capitalista) é a sua dominação pelas racionalidades teórica e substantiva, já que se apóia mais em seus valores (ética da sustentabilidade) do que em seus meios instrumentais (instrumentos e técnicas sustentáveis que aproveitem os potenciais da natureza e da diversidade cultural). Nessa compreensão os meios ficam subordinados aos valores[1]. Nesse sentido, na racionalidade ambiental as racionalidades substantiva e instrumental se manifestam de maneira diferenciada:
a) racionalidade substantiva: é da qual emerge, conforme Fernandes e Ponchirolli (2011), a consciência ambiental, além de novos valores e forças materiais para a construção de uma racionalidade ambiental fundada em princípios teóricos (saber ambiental), materiais e éticos da sustentabilidade, sendo os mais proeminentes: a) o direito dos povos à ressignificação e à reapropriação da natureza que habitam (reconhecimento dos valores da diversidade cultural de cada território de vida) reforçando a autonomia, solidariedade e a contraposição dos povos à razão reducionista do mercado; b) a equidade social e o princípio da gestão ambiental que implica a participação direta das comunidades no manejo de seus recursos ambientais (democracia participativa direta) (LEFF, 2006).
b) racionalidade instrumental: estabelece os meios que conferem eficácia à gestão ambiental (ecotécnicas, tecnologias limpas, instrumentos legais, arranjos institucionais das políticas ambientais, formas de organização do movimento ambiental). Estabelece o vínculo entre os objetivos sociais e as bases materiais do desenvolvimento sustentável, por meio de ações coerentes com os princípios da racionalidade substantiva, gerando um sistema de meios eficazes. Essa racionalidade conduz a um paradigma de produtividade ecotecnológica em que técnicas e tecnologias são desenvolvidas respeitando os ritmos, ciclos e potenciais da natureza (capacidade fotossintética do planeta e da organização ecológica de cada ecossistema) e de cada cultura, como é o caso da agroecologia (FOLADORI, 2000; LEFF, 2006). Há a recuperação ou fortalecimento de “… inovações para tecnologias adaptadas à conservação produtiva e à oferta ecológica dos ecossistemas” (LEFF, 2009, p. 1). Preza por criar indicadores de caráter qualitativo e quantitativo, como o patrimônio natural e cultural, indicadores ambientais e métodos multicritérios de tomada de decisões, avaliadores da qualidade de vida.
A partir da racionalidade ambiental há uma relação de reciprocidade entre o local e o global. As culturas trazem especificidades de sua relação com a natureza, estando seus saberes e ações em conexão com os produzidos pelo movimento ambientalista, pela sociedade civil organizada e pela ciência. Esses três últimos atores têm uma maior possibilidade de atravessar fronteiras, influindo nas culturas locais, na sociedade como um todo, nos Estados e no mercado, com o conjunto de valores, teorias, instrumentos e técnicas desenvolvidos a partir da interdisciplinaridade e do diálogo de saberes com populações locais. Nota-se a incorporação pelo Estado e pelo mercado, observam Fernandes e Ponchirolli (2011) e Leff (2006), de normas ambientais ao comportamento econômico e político estabelecendo novos princípios éticos e transformando a sociedade.
Contudo, o encontro dos saberes ambientais também é permeado por contradições, quando choca-se com a racionalidade capitalista. Pode haver constrangimentos a práticas tradicionais como as camponesas (p.e. uso de fogo para cultivos itinerantes) em função dos valores e práticas ambientais absorvidos pela racionalidade dominante (racionalidade ecológica e democratização dos direitos humanos), configurando novas identidades e práticas dentro da geopolítica do desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, há também a construção de barreiras contra a pressão da racionalidade dominante para que culturas tradicionais não se submetam a sua força unificadora.
Nesse sentido, se por um lado, a emergência da racionalidade ambiental coloca suas forças em jogo com a racionalidade econômica dominante, opondo interesses e perspectivas de estratégias de dominação e de táticas de negociação; por outro lado há uma relação dinâmica entre ambas as racionalidades, levando-as a absorverem aspectos uma da outra. Todavia, a intenção principal de Leff, conforme apontam Fernandes e Pochirolli (2011), é mostrar que, devido a essa relação dinâmica, a racionalidade ambiental vem ganhando espaço na racionalidade social e produtiva dominante a partir da inclusão de critérios ambientais não só objetivos, mas, principalmente subjetivos, e subjacentes a diferentes esferas sociais, influenciando, dessa forma, a produção tecnológica e de conhecimento, as dinâmicas populacionais e produtivas, dando base a um projeto alternativo de desenvolvimento.
No meio rural a racionalidade ambiental se apresenta na esteira das manifestações contemporâneas da agricultura familiar. Uma delas é a pluriatividade entendida como a diversificação das atividades para fora do estabelecimento, principalmente do chefe da família (WANDERLEY, 2004). Ademais, é comum, continua Ploeg (2008), observar padrões de cooperação entre os agricultores familiares, a fim de fortalecer a sua condição camponesa e, com isso, enfrentar ambientes hostis. Também é possível verificar processos massivos do que Ploeg (2008; 2015) chama por recampenização: o retorno de pessoas da cidade para as pequenas granjas familiares. Mas, o que mais chama atenção no desenvolvimento e avanço da racionalidade ambiental no rural são as ações políticas dos agricultores familiares frente a complexidade dos problemas socioambientais atuais.
Conforme Wanderley (2014) e Ploeg (2008), a agricultura familiar passa a reinvindicar a nomenclatura de camponês no intuito de se posicionar politicamente enquanto representante de uma outra concepção de agricultura, fundada em formas de permanência e autonomia de seu modo de vida no campo a fim de diminuir ou eliminar a exploração do capital, e em uma crescente convicção de seu modo de vida e produção conter uma importante resposta aos problemas ambientais (BERNSTEIN, 2009; WANDERLEY, 2004; 2009). Numa perspectiva mais crítica, o conceito agricultura familiar camponesa”pretende deslocar a categoria de identidade camponesa, despojando-a de sua conotação subalterna de classe social (MAZETTO-SILVA, 2007).
Diante disso, há um aumento de poderosos movimentos camponeses internacionais, como a Via Campesina ou mesmo nacionais como o Movimento dos trabalhadores Sem Terra no Brasil (MST) (MENEZES NETO, 2016), ou a Rede de Escolas Camponesas do México (REDESCAMP), os quais ajudaram a dar mais atenção à questão camponesa e propõem um modelo alternativo ao hegemônico para o futuro dos camponeses a partir de uma perspectiva mais regional, do reconhecimento de suas especificidades, resgatando algumas ideias de Chayanov, e de uma relação mais integrada com a natureza (ALCAZÁR-SÁNCHEZ Y GOMÉZ-MARTÍNEZ, 2018; BERSNTEIN, 2009; PLOEG, 2008). Wanderley (2004; 2009) ressalta o viés ambiental da disputa entre o campesinato e o modelo hegemônico presente no campo, baseado na compreensão de que o camponês detém o conhecimento detalhado de sua terra, plantas e animais e, por isso, sente-se comprometido com o respeito e conservação da natureza.
Nesse contexto, a racionalidade ambiental pode ser localizada nas ações sociais dos agricultores familiares agroecológicos e de suas organizações ao manterem conhecimentos tradicionais sustentáveis, de maneira reflexiva. Esses atores baseiam suas ações em valores sustentáveis e se orientam pela construção da produtividade ecotecnológica, estando conscientes da gestão ecológica que realizam em suas organizações (TOLEDO, 1993). Resistem à exclusividade da racionalidade instrumental capitalista, ao dar continuidade, conforme atentado por Wanderley (2004) e Ferreira (2013), a aspectos do campesinato, como as relações de reciprocidade e solidariedade com a natureza, ao mesmo tempo em que incorporam elementos da racionalidade dominante de forma a propor estratégias futuras de reprodução que possam garantir não só a sua sobrevivência, mas também da sociedade como um todo. Nesse contexto, ressignificam o tradicional de maneira reflexiva, e, por isso, são conscientes do que extraem do conhecimento local e tradicional para incorporar em sua luta política.
Percurso metodológico
A pesquisa, instrumentos de coleta de dados e tratamento das informações coletadas
Este trabalho é resultado de uma pesquisa participativa que prioriza a relação sujeito-sujeito, por valorizar e reintegrar os saberes não acadêmicos (dos técnicos de campo e camponeses das ESCAMPs) em processos formais de produção de conhecimento sobre as racionalidades das ESCAMPs, por intermédio do reconhecimento, da descrição e da interpretação dos conhecimentos tradicionais e alternativos resgatados e produzidos por essas organizações (PETERSON et al., 2017; SOUZA et al., 2012).
A apreensão de informações apresentadas por esses sujeitos se deu mediante o estudo de caso das ESCAMPs de Chiapas e da triangulação de métodos para a coleta de dados[2]. Optou-se por esse método para reunir dados e informações compreensíveis, sistemáticos e aprofundados sobre as Escolas (Patton, 2002). Além disso, o contato com pequenos grupos, modos de vida e modos de pensar diferentes, assim como entendem Souza et al. (2012), é uma forma de compreensão da realidade que representam, pois permite ao pesquisador entender diferentes elementos de uma base de informações controlável. Por isso, podemos também alinhar esta investigação aos princípios da Educação Popular, por buscar por meio da experiência e troca de saberes “el desarrollo de un proceso que permita: aprender, producir conocimientos, construir propuestas transformadoras y socializar los resultados de la sistematización de experiencias” (CEPEP, 2010, p. 17).
Os dados coletados abrangeram representantes e agricultores vinculados às ESCAMPs, ambos considerados membros da Escola. Os instrumentos de coleta utilizados envolvem diários de campo das visitas às cinco ESCAMPs (Figura 1) e entrevistas, sendo uma aberta exploratória com cinco informantes qualificados (coordenadores ou dirigentes) de cada uma das cinco Escolas realizada nos meses de julho e agosto de 2017; e a outra estruturada aplicada com 38 agricultores das Escolas de Chiapas realizada no mês de outubro mesmo ano.
As informações levantadas pela entrevista aberta e os diários de campo envolvem informações sobre as ESCAMPs e as organizações a que se vinculam, suas origens, suas atividades, seus objetivos, perfil dos alunos, aprendizagens ao longo dos anos, bem como os sistemas produtivos, a renda, os mercados acessados e os ofícios dos agricultores a elas vinculados. Após esse estudo preliminar com as Escolas, sentiu-se a necessidade de levantar informações com os agricultores sobre o que buscam por meio das Escolas e como essa interação se reverbera em seus modos de vida. Assim, a entrevista estruturada aplicada aos 38 agricultores investigados reuniu dados de perfil (sexo, idade, origem), de seus anos na educação popular, das capacitações promovidas por suas escolas, do impacto em seus trabalhos das capacitações realizadas e sobre capacitações em torno da agroecologia. O conhecimento trazido por esses instrumentos possibilitou levantar elementos que desvendam as racionalidades em jogo nessas organizações.
Os dados e informações obtidos em ambas entrevistas foram tratados e sistematizados em planilhas do Microsoft Excel®. As respostas das perguntas fechadas das entrevistas possibilitaram a realização de algumas análises quantitativas, e as informações dos diários de campo e das perguntas abertas das entrevistas realizadas foram tratadas e analisadas por meio do método Bardiniano de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). A proposta metodológica de Bardin (2011) passa por três etapas: (1) a pré-análise, em que as informações das entrevistas e dos diários de campo são organizadas; (2) a exploração desse material, por meio da codificação dos dados a partir das unidades de registro; e (3) o tratamento dos resultados e interpretação, quando as informações são classificadas pelos elementos segundo suas semelhanças e diferenciação, com posterior reagrupamento em decorrência de características comuns. Dessa forma, a análise de conteúdo aqui realizada resultou em quatro agrupamentos, sendo eles: descrição das ESCAMPs analisadas, perfil dos agricultores associados às ESCAMPs, os balanços e tensões entre as racionalidades presentes nas ações das ESCAMPs e de seus membros e as ESCAMPs enquanto organizações substantivas de racionalidade ambiental.
Esquema analítico
A relação entre essas organizações com os camponeses e com outros atores e com o seu ambiente circundante desvenda a maneira como as racionalidades movedoras de suas ações estão configuradas (SILVA, 2018). Tendo isso em vista foi elaborado um esquema analítico (Figura 1) como um instrumento para compreender como as racionalidades das ESCAMPs se manifestam. Esse esquema foi construído a partir dos conceitos presentes na teoria do campesinato (CHAYANOV, 1974; LAMARCHE, 1997; PLOEG, 2008; WANDERLEY, 2008), na teoria ambiental (ALTIERI, 2009; BRANDENBURG, 2017; GLIESSMAN, 2009; LEFF, 2006; SEVILLA-GUZMAN, 2006; TOLEDO, 1993) e na teoria social (GUERREIRO RAMOS, 1989; POLANYI, 2007; SERVA, 1996; WEBER, 2012), bem como das observações e dados coletados em campo.[3]
Figura 1 – As racionalidades presentes nas ações das ESCAMPs.
Fonte: Adaptado de Silva (2018)
Na modernidade, a racionalidade das organizações camponesas é forjada pela sua interação com os agricultores familiares e outros atores de seu espaço circundante, como o mercado (renda e tecnologia), a natureza (preservação), outras organizações, o Estado (políticas públicas acessadas e reivindicadas) e movimentos sociais (justiça socioambiental)[4]. A racionalidade resultante de tais interações podem ser compreendida como a junção de diferentes elementos racionais de três lógicas distintas: a ambiental, a empresarial e a camponesa[5]. Tais lógicas reúnem um conjunto de elementos do par típico ideal weberiano das racionalidades substantiva e instrumental, representando um todo coerente, um modelo, do que a literatura pesquisada idealiza ser a orientação das ações de atores rurais (SILVA, 2018).
Conforme Weber (2012), a racionalidade substantiva não considera as consequências previsíveis de sua ação, mas atua a serviço de convicções de dever, mandatos, obrigações morais, sendo valores generalizados e transformados em princípios e aplicados procedimentalmente que transcendem situações concretas. A racionalidade instrumental é tida como a associação entre fins, meios e consequência de um pensamento mais econômico-técnico aplicado em situações concretas, sendo neste trabalho utilizada para resolver os problemas das ESCAMPs. Mesmo que nas sociedades modernas capitalistas o cálculo seja a manifestação máxima da racionalidade instrumental, a sua expressão não se reduz a ele. Seguindo a conceituação weberiana, reforçada por Guerreiro Ramos (1989), Habermas (1999) e Polanyi (2007), é possível verificar situações em que a racionalidade instrumental ocorre sem que o cálculo numérico seja utilizado, como em comparações técnicas entre diferentes meios, fins e consequências e em associações entre meios, fins e consequências a partir de uma referência não-numérica. Situações comuns a outras manifestações sociais que não se orientam exclusivamente à racionalidade instrumental tipicamente capitalista, mas a uma instrumentalidade diferenciada como é o caso do campesinato e de suas organizações.
A lógica empresarial se refere aos imperativos da racionalidade hegemônica capitalista e compreende aspectos já bastante conhecidos da racionalidade privilegiada em suas ações sociais: a instrumental. Nela estão presentes o desempenho, a utilidade, a competência, o cálculo, a maximização da renda, a eficácia, o valor de troca, planejamento de curto a longo prazo, a normatividade, a especialização, a mercantilização, a externalização e a artificialização da natureza. Essa lógica também envolve aspectos de sua racionalidade substantiva que é menos explorada e se encontra subordinada à racionalidade instrumental, conforme indica a seta verde da Figura 2. Seus elementos envolvem a flexibilidade das normas e hierarquia do trabalho, o entendimento, a satisfação individual, o machismo, a igualdade de gênero e a percepção da natureza como um ente separado do homem e que deve ser tratada de maneira individualizada.
A lógica camponesa manifesta a sua instrumentalidade no atendimento das necessidades da família camponesa com a menor penosidade possível, nas formas de cálculo e controle específicos em torno da renda, no planejamento à curto prazo, no valor de uso dos recursos de trabalho, na coprodução com a natureza, na flexibilização de normas de trabalho e a diversidade de competências. A sua substantividade está na autonomia, na liberdade, na emancipação, na valorização das relações comunitárias, na honra, no prestígio social, na reciprocidade, no compromisso, na hierarquia, no machismo, na ligação afetiva com a terra, no cuidado e produção com a natureza, na cooperação e na solidariedade. Nessa lógica, diferentemente da empresarial, a racionalidade instrumental está submetida à racionalidade substantiva.
E a lógica ambiental entende que as ações sociais dos camponeses e de suas organizações são realizadas de maneira reflexiva ao levar em consideração motivações e critérios ambientais discorridos pela teoria ambiental e agroecológica. Nela, aspectos tradicionais contidos na lógica camponesa são ressignificados e valorizados, e incorporam novos conhecimentos forjados pela interdisciplinaridade e o diálogo dos saberes alcançados pela interação dos camponeses e suas organizações com outros atores (p.e. Estado, mercado, instituições de ensino). Dessa forma, a racionalidade ambiental das organizações camponesas ressignifica as formas tradicionais camponesas de produção e gestão, incorporando novos conhecimentos frutos da inter e transdisciplinaridade e do diálogo dos saberes tanto no âmbito interno das Escolas quanto em sua relação com agentes externos (Estado e mercado). A sua racionalidade instrumental acrescenta a ecotecnologia desenvolvida a partir dos conhecimentos tradicionais e do saber ambiental e a eficácia da gestão ambiental. E a sua racionalidade substantiva agrega a busca pela ética da sustentabilidade, a equidade social, o julgamento ético e político, a política da diferença e a valorização cultural. E, assim como a lógica camponesa, a sua racionalidade substantiva é a orientadora de sua racionalidade instrumental.
Por fim, o esquema analítico sugere a relação dinâmica entre as racionalidades de uma mesma lógica e entre as três lógicas. Essa interação está presente na agricultura familiar, tal como explica os conceitos de balanço da condição camponesa e da agricultura empresarial de Ploeg e as noções sobre agricultura familiar apresentadas por Lamarche e Wanderley. Mas, apesar dessa interação apresentar dilemas, ela também permite a manutenção das atividades das organizações camponesas em busca de sua continuidade.
Las Escolas Camponesas agroecológicas de Chiapas
Las Escolas Camponesas de Chiapas: origem e objetivos
As estratégias econômicas, políticas e administrativas dos agricultores agroecológicos são, muitas vezes, desempenhadas e/ou fortalecidas pela organização coletiva dos mesmos (COSTA, 2017; PÉREZ-CASSARINO et al., 2013), demonstrando aderência ao observado por Ploeg (2008) sobre estratégias de reprodução da agricultura familiar contemporânea. Por meio de organizações, os agricultores agroecológicos agem a fim de fortalecer sua autonomia diante das relações de exploração e submissão do mercado capitalista:garantir sua reprodução social como também ambiental de seus agroecossistemas e disputar um espaço no debate sobre o modelo de desenvolvimento rural (COSTA, 2017; PÉREZ-CASSARINO et al., 2013). São formas institucionais baseadas, predominantemente, na racionalidade ambiental concebida na modernidade. Buscam por outros modelos de agricultura e de desenvolvimento onde há a submissão dos critérios capitalistas a sustentabilidade socioambiental.
Dessa forma, a racionalidade ambiental dos agricultores agroecológicos ressignifica suas formas tradicionais de produção e gestão, incorporando novos conhecimentos frutos da inter e transdisciplinaridade e do diálogo dos saberes tanto no âmbito interno dos estabelecimentos quanto em sua relação com agentes externos (Estado e mercado), a qual é mediada, muitas vezes, por organizações coletivas (movimentos, cooperativas, associações, grupos informais).
As ESCAMPs de Chiapas, membros da REDESCAMP entrevistadas em 2017, são exemplos desse tipo de organizações. Por meio delas é possível que os agricultores ressignifiquem suas formas tradicionais e/ou convencionais de produção e gestão, quando entram em contato com as capacitações agroecológicas. É importante dizer que em outro documento foi feita uma análise sobre a participação de jovens e mulheres, portanto, neste artigo, a perspectiva de gênero e idade não é considerada (ALCAZÁR-SÁNCHEZ e GÓMEZ-MARTÍNEZ, 2018). Na região há cinco experiências da Rede, reunidas na Tabela 1, a seguir:
Tabela 1 – Escolas Camponesas do Estado de Chiapas entrevistadas.
Escola Camponesa | Subsede | Região de Chiapas | Organização nacional vinculada |
Universidad Indígena de Bachajón (UBACH) | Bachajón, Chilón | Selva Tzeltal | Frente de Escolas Democráticas fevereiro 25 (FEDEF-25) |
Misión de Bachajón | Bachajón, Chilón | Selva Tzeltal | Diócesis de San Cristóbal |
Centro de Formación de Aprendizaje para el Desarrollo Campesino e Indígena (CEFADECI) | Santa Martha, La Trinitaria | Fronteiriça (próximo à Guatemala) | Organização Camponesa Emiliano Zapata (OCEZ), integrante da Coordenação Nacional Plano de Ayala (CNPA) |
Universidad Multicultural Agroecológica Emiliano Zapata (UMAEZ) | Ixtapa | Los Bosques | Organização Proletaria Emiliano Zapata (OPEZ) e da Frente de Organizações Sociais Independentes de Chiapas (FOSICH) |
Centro Solidário Tsomanotik (Tsomanotik) | Tzimol | Fronteiriça (próximo à Guatemala) | Várias redes sociais |
Fonte: Adaptado de Alcazár-Sánchez e Gómez-Martínez (2018), tradução dos autores.
No início do século XXI, professores da Sociologia Rural da Universitat Autónoma Chapingo e algumas organizações sociais mexicanas promoveram a criação de iniciativas de Escolas Camponesas (ESCAMPs) no país, movidas por um processo de educação popular para a socialização de experiências de Campesino a Campesino (CaC[6]), bem como da auto-organização dos campesinos na busca por capacitações de interesse relacionados a um outro tipo de agricultura, outro sistema de educação e outro paradigma de desenvolvimento rural (GÓMEZ-MARTÍNEZ; MATA-GARCÍA; GONZÁLEZ-SANTIAGO, 2017).
As ESCAMPs de Chiapas se vincularam à Rede de Escolas Camponesas do México desde a sua criação em 2017. A pesquisa de Alcazar-Sánchez e Gómez-Martínez (2018) sistematiza os objetivos e principais linhas de atuação dessas escolas. A seguir as escolas analisadas serão brevemente descritas.
A UBACH, criada em 2017, é uma universidade intercultural, ou seja, possui um quadro docente e discente de origem camponesa e indígena, sendo baseada em um modelo pedagógico de educação popular para o magistério com vistas a impulsionar a autonomia da instituição. A universidade oferece licenciaturas que abordam temas transversais do direito indígena, desenvolvimento sustentável, educação popular e psicologia, a fim de fomentar a tomada de consciência dos alunos para resolverem os problemas das comunidades rurais. A Misión de Bachajón surgiu em 1958 por uma missão jesuíta e desde então busca capacitar e formar jovens por meio de cursos preparatórios e de capacitação no que tange a diferentes linhas estratégicas de sua atuação: "a pastoral indígena, saúde comunitária, reconciliação comunitária, desenvolvimento sustentável, gênero, organização social, direitos indígenas, rádio comunitária, cooperativas de café, mel, artesanatos e de crédito" (CRISPÍN E RUÍZ, 2010, p. 34). O CEFADECI surgiu em 2006 pela necessidade dos agricultores familiares a ela associados de ter um local específico para capacitação, a troca de saberes (CaC) e para a formação de promotores locais. A UMAEZ, desde 2014, busca levar uma educação baseada na sustentabilidade e agroecologia aos jovens chiapanecos. Por fim, a Escola Tsomanotik, criado em 2009, é um centro demonstrativo de ecotécnicas e promove cursos de capacitação para educadores populares em temas relacionados à agroecologia e soberania alimentar.
Os atores das Escolas Camponesas agroecológicas de Chiapas
Dentre os membros das Escolas entrevistados é possível observar um relativo equilíbrio na participação entre homens (53%) e mulheres (47%), sendo a maioria adultos (66%). O tipo de posse de terra prevalecente entre os agricultores vinculados às ESCAMPs de Chiapas é a social-ejido-comunidad[7] menor do que cinco hectares. A renda anual das famílias é formada, prioritariamente, da agricultura de autoconsumo, a qual corresponde entre 20 a 60% do total do que a família ganha ao ano. Entre 20 a 30% da renda anual provém das trocas comerciais das suas produções agrícolas, com exceção da Escola de Tsomanotik, a qual adquire 70% de sua renda das trocas comerciais. Os empregos temporários, como bóias-frias ou diaristas, correspondem entre 10% a 20% da renda anual. Quanto aos agricultores da escola CEFADECI, observa-se que eles ainda possuem uma quarta fonte de renda, o ecoturismo, a qual garante 10% da renda anual das famílias. Além do mais, os agricultores das escolas investigadas possuem outros ofícios como forma de complementar a renda, como ferreiro, carpinteiro, pedreiro e motorista e o trabalho temporário em comunidades vizinhas, e, com menos incidência, promotores de ecoturismo e artesanato.
O principal sistema produtivo dos agricultores vinculados às Escolas entrevistadas é os destinados ao autoconsumo: a milpa[8], seguida pelo traspatio[9] e a produção de hortaliças. Ainda há Escolas que em suas áreas coletivas criam gado e produzem milho ou café. Dentre os sistemas agrícolas destinados às trocas comerciais, os agricultores de três escolas criam gado e produzem café, os agricultores de duas delas também comercializam milho. Os agricultores vinculados a OCEZ também comercializam mel, limão e porcos, e os agricultores vinculados a Tsomanotik produzem milho e cana. Dessa forma, o manejo prevalecente entre os agricultores vinculados às cinco escolas é o manejo tradicional do camponês indígena ou da pequena agricultura somado ao uso de agroquímicos, mas com a intenção de realizar a transição agroecológica. Há casos em que o manejo tradicional sem agroquímicos ainda é mantido, como em algumas famílias vinculadas à OCEZ e Universidad de Bachajón; outros casos ligados à OCEZ e Tsomanotik estão em transição agroecológica; e outros vinculados à Universidad de Bachajón possuem manejo tradicional com adubos orgânicos. A venda dos produtos destinados à troca mercantil se dá em mercados locais e regionais.
A relação dos agricultores com as ESCAMPs imprime mudanças em seus modos de vida, como indica a Figura 2, a seguir:
Figura 2 – Mudanças trazidas pelas capacitações realizadas nas Escolas Camponesas nos modos de produção e vida dos agricultores familiares.
Cerca de um terço dos agricultores entrevistados enxergam que as capacitações promovidas pelas ESCAMPs proporcionaram melhoria na gestão dos recursos naturais e econômicos em seus modos de produção. Outras duas mudanças foram levantadas por 25% e 24% dos entrevistados: a incorporação de novas formas de produzir e a organização social, respectivamente. As novas técnicas ensinadas buscam reduzir impactos ambientais das práticas produtivas e a organização social é alcançada pela articulação dos agricultores com as escolas e outras organizações na busca por melhores condições de vida por meio da luta política.
Não são só as Escolas que tomam a iniciativa de trazer conhecimentos agroecológicos aos agricultores. Eles também solicitam capacitações em torno de técnicas agroecológicas. A Tabela 2, a seguir, relaciona as capacitações realizadas pelas ESCAMPs e a razão do interesse dos agricultores familiares por elas:
Tabela 1 – Capacitações realizadas pelas Escolas Camponesas e razão de interesse em capacitações agroecológicas.
Capacitações feitas nas Escolas Camponesas | Qtd | % | Razões de interesse em capacitações agroecológicas | Qtd | % |
Práticas técnicas agroecológicas (ecotécnicas) e/ou reflorestamento | 60 | 52% | Para melhorar o cuidado com os recursos naturais | 45 | |
Educação popular (pensamento crítico, formação política ou formas de organização) | 22 | 19% | Para fortalecer processos de organização comunitária | 35 | |
Resgate dos conhecimentos tradicionais | 15 | 13% | Para acessar a insumos orgânicos que substituam os insumos químicos | 29 | |
Soberania alimentar e/ou saúde | 11 | 9% | Para alcançar benefícios na comercialização | 1 | |
Migração, direitos humanos, gênero, identidade e cultura ou defesa do território | 10 | 9% | Não responderam | 6 | |
Não responderam | 18 | 16% |
As práticas que envolvem uma relação mais recíproca com a natureza são os principais focos de capacitação segundo os agricultores entrevistados, seguido pela educação popular e o resgate dos conhecimentos tradicionais.
Ademais, a maior parte dos entrevistados, 39%, tem interesse em melhorar a relação que possuem com a natureza, 30% gostariam de fortalecer processos de organização comunitária e 25% desejam substituir os insumos químicos pelos agroecológicos. Esses dados são reforçados pelas entrevistas realizadas com representantes das ESCAMPs de Chiapas, em que indicam que as Escolas têm por objetivo a promoção da educação popular e a agroecologia enquanto ferramentas de transformação social, a fim de capacitar os agricultores para fortalecer a autonomia e seus processos autogestionários. Entretanto, a maioria dos entrevistados no XV Encontro da Red de Escuelas Campesinas em Chiapas - 64 (55%) deles - tem dois anos de contato com a educação popular e somente 9 (7,8%) tem cinco ou mais anos de relação com esse tipo de educação.
A racionalidade das Escolas Camponesas de Chiapas, México
Balanços[10] e tensões entre as racionalidades presentes nas ESCAMPs: rumo a racionalidade ambiental
Conforme explicado no esquema analítico, a racionalidade das ESCAMPs se forma não a partir de uma relação unidirecional (p.e. do Ambiente externo para as ESCAMPs e delas para os agricultores), mas sim de uma relação interativa, de troca dialógica, entre esses diferentes atores. Como as ESCAMPs existem a partir das ações de seus membros, no caso os agricultores familiares, é relevante verificar como a racionalidade desses se expressa, uma vez que elementos delas são levadas às Escolas.
As escolas do campo são organizações sociais com certa autonomia do Estado, uma vez que não recebem financiamento de políticas públicas para as suas atividades. Esta situação tem vantagens e desvantagens. Dentre as vantagens pode-se destacar que são experiências com agenda própria, e entre as desvantagens destaca-se que possuem dificuldades de consolidação e, consequentemente, as experiências alternativas são programas piloto ou demonstrativos.
A pesquisa de campo conseguiu captar alguns traços da lógica camponesa dos agricultores familiares das ESCAMPs como: mão-de-obra predominante familiar, produção diversificada e tradicional de alimentos para o autoconsumo e venda do excedente para atender às necessidades familiares. Essas características evidenciam as racionalidades instrumental e substantiva camponesas dos mesmos, em conformidade com as análises de Chayanov (1974) e Abramovay (1998), pois são agricultores em busca de sua reprodução familiar, mas que não se orientam pela racionalidade tipicamente capitalista, uma vez que são parcialmente integrados ao mercado e seus meios de produção e vida são marcados pelo caráter familiar. Tal caráter imprime ao empreendimento rural uma tríplice função: a de ser uma unidade de consumo, produção e gestão ao mesmo tempo, não havendo separação entre elas. Além disso, essas famílias unem em uma mesma pessoa o empresário[11] e o trabalhador. Tendo isso em vista, compreende-se que as atividades produtivas da família são voltadas ao atendimento das necessidades familiares por meio do trabalho da família.
Outros traços da lógica camponesa, apresentados nas obras de Chayanov (1974) e Ploeg (2008, 2015) e Wanderley (2009), são percebidos nos agricultores pesquisados: a diversidade produtiva (milpa, traspatio, hortaliças) para atender o autoconsumo, como relata um dos entrevistados de CEFADECI sobre a produção local “[...] maiz, frijol también, hay otras plantas como el chipilín, la hierbamora, el tsul y otras series de produtos como la calabaza, no? Que es parte de nuestra alimentación …”. A venda ao mercado local ou regional (canais curtos de comercialização) e a complementação da renda familiar fora do estabelecimento quando a produção agrícola da família não é suficiente para atender suas necessidades. Como mencionado, os agricultores complementam a renda a partir de outros ofícios realizados, principalmente, na comunidade onde vivem. Isso faz com que também se alinhem às características do agricultor familiar contemporâneo, reforçando o identificado por Ploeg (2008), ao praticar a pluriatividade (complementação da renda com trabalhos não agrícolas como o turismo). Outra característica contemporânea levantada por Perez-Cassarino (2012) e Ploeg (2008) é a organização desses agricultores em coletivos com fins sociais e políticos, como é a participação nas ESCAMPs.
Contudo, a predominância na maioria das experiências do monocultivo de variedades destinadas ao mercado (café, milho) ou da criação de gado, revela o tensionamento de elementos da racionalidade instrumental da lógica capitalista com a lógica camponesa. Isso se dá em função do que Silva (2018) enxerga como as adequações produtivas exigidas pelo mercado e a baixa ingerência dos agricultores nessas produções. Mesmo assim, há a permanência de aspectos da lógica camponesa, uma vez que o manejo tradicional camponês indígena ou da pequena agricultura, especialmente nas produções de autoconsumo, é mantido.
Assim, há a coexistência e balanço entre diferentes tipos de racionalidades. A racionalidade instrumental camponesa, presente no conceito do balanço trabalho consumo de Chayanov[12], uma vez que o agricultor procura meios eficazes à sua disposição para atender a um fim (o atendimento às necessidades da família). A racionalidade instrumental capitalista pode ser vista nas relações que os agricultores mantêm com o mercado, o que acaba por reorganizar sua produção e gestão em função de um maior grau do que Ploeg (2008) chama por mercantilização e externalização[13]. A racionalidade substantiva camponesa pode ser vista quando a família é colocada como central em suas ações, as quais são dirigidas para a sua reprodução, independentemente do cálculo do lucro. E ainda há uma outra racionalidade identificada, construída nas relações dos agricultores com as ESCAMPs, a racionalidade ambiental, na qual há o resgate de aspectos da racionalidade camponesa e do diálogo com aspectos da racionalidade capitalista, rumo ao socioambientalismo[14].
Os aspectos resgatados da lógica camponesa como autonomia, liberdade, relação mais recíproca com a natureza, cooperação e solidariedade trazidas pela tradição são valorizados e também ressignificados ao entrar em contato com novos conhecimentos trazidos pelas ESCAMPs, a fim de que se busque um modelo socialmente mais justo e sustentável de desenvolvimento rural. Seguindo o postulado por Leff (2006), pode-se dizer que esse encontro de conhecimentos somado à reafirmação de culturas (ressignificadas) em torno da sustentabilidade é o que forja a racionalidade (lógica) ambiental das Escolas. Dito de outro modo, os agricultores das ESCAMPs trazem a elas suas racionalidades que são valorizadas, bem como participam do engendramento da racionalidade ambiental ao interagir com as Escolas e, a partir disso, ressignificam suas racionalidades.
Contudo, apesar da importância da agroecologia expressada pelos membros das Escolas, ainda são poucos os agricultores familiares agroecológicos, estando eles vinculados a somente três Escolas. O que se observa são incentivos das Escolas na promoção da agroecologia, mesmo quando ainda focam mais em capacitações de transpatio, e também um crescente interesse dos agricultores quanto a essa prática, como pode ser visto tanto nos pedidos de capacitações agroecológicas quanto nas mudanças que as capacitações das escolas trouxeram aos seus modos de produção e de organização conforme apontado no tópico anterior. Esse interesse é observado na fala de alguns agricultores-membros das ESCAMPs entrevistados:
[...] nuestros talleres de la parte técnica también que es un tema que nos hemos enfocado desde 2000 para acá, en el tema de la lucha y la defensa de la soberanía alimentaria con un enfoque más agroecológico para la supervivencia de nuestra especie (Representante de CEFADECI).
[estamos haciendo en la sede de la ESCAMP un] diseño de producción de maíz y milpa, todo el sistema de irrigación y reservatório de água, obras de manejo y conservación de suelo, recolectacion de la água de lluvia … Aquí hay un grupo de 80 campesinos que pertenecen a la organización ... nada más que ellos nos ayudaran en la construcción aqui … (Representante de UMAEZ).
[...] estos promotores, ellos también enseñan a las comunidades prácticas ecológicas, familias en áreas demostrativas, és de ir impulsando el ánimo y el involucramiento de más personas (Representante de Tsomanotik).
Nesse sentido, mesmo que esse modo socioprodutivo ainda não seja predominante entre as experiências, os dados apontam para mudanças incrementais nas práticas dos agricultores, mas não só técnicas, mas também sociais. Tal mudança passa pela construção de uma consciência crítica sobre seu entorno, o que demonstra indícios da reflexividade característica da racionalidade ambiental. Conforme explicam Fernandes e Pochirolli (2011) e Leff (2006), a inserção de aspectos ambientais aos sistemas produtivos dos agricultores ou de novas técnicas sustentáveis, bem como a organização social em torno da sustentabilidade trazendo e resgatando valores como cooperação, solidariedade, autonomia da lógica camponesa e a inserção de valores da lógica ambiental como a democracia direta, são manifestações da racionalidade ambiental dos mesmos. O que fica destacado nesses dados é que as ESCAMPs agem conjuntamente com os agricultores familiares na busca pela difusão da agroecologia.
As capacitações também valorizam o lugar (ESCOBAR, 2005) e defendem a viabilidade econômica por meio da comercialização de curta e média distâncias, nas próprias comunidades dos agricultores familiares, e na proximidade da relação produtor-consumidor na busca da construção de uma relação de confiança e reciprocidade (SEVILLA-GUZMÁN, 2006). Por tudo isso, valoriza duas dimensões relacionadas à agroecologia e à racionalidade ambiental trazidas pelos trabalhos de Leff (2006) e de Sevilla-Guzmán (2006): a técnica-agronômica (racionalidade ambiental instrumental) e a político-social (racionalidade ambiental substantiva e cultural). São dimensões contempladas pelos agricultores familiares investigados quando explicitam o desejo por uma produção mais sustentável, de terem uma formação crítica e de unirem esforços em organizações e ações políticas.
O interesse pela formação crítica é anunciado quando defendem a educação popular e o resgate dos conhecimentos tradicionais, como indicam os seguintes relatos:
Metodológicamente creemos en la educación popular un método de construcción de conocimiento desde de la pedagogía crítica, una cuestión que en la práctica que se desarrolla en la cuestión cientifica y teórica pero que tiene que volver a la práctica sino, no tiene sentido [...] estamos estableciendo conglomerados de muestreo y monitoreo de suelo, agua, vegetación con una metodología de la FAO, en la realidad un inventario de monitorear los recursos y eso lo hacemos con la comunidad […] por eso que la practica tiene que ver con la solucion de la problemática concreta y el vínculo con los produtores tiene a ver con eso con la solucion de los problemas (Representante da UMAEZ).
Vamos trabajando con la educación popular, no somos los maestros, nosotros sentimos que en la comunidad hay mucho conocimiento y que hay que rescatarlo, no sabemos todo, valoramos mucho el conocimiento campesino y se ha dejado , no ha tenido un gran valor, pero el rescate de conocimientos de los abuelos es muy importante , hay que fortalecerlos (Representante de Tsomanotik).
y en la línea del proyecto político que se tiene es decir, cada vez los, este, El límite de elección es partido, como dicen aquí, pues se juntan más y quieren más dinero, quién subtraer más los recursos del pueblo. Y nosotros lo que estamos haciendo para nos juntar y hacer que no suceda esto no? Tenemos la experiencia de Oaxaca de los ejidos, dónde la elección se hace por usos y costumbres. Y con la educación en esta perspectiva liberadora y etc va nos ayudar muchísimo juntar un grupo de jóvenes que haga frente a eso (Representante da Misión de Bachajón).
Nosotros tenemos em las comunidades productoras de jabón, escuela de café, luego le llamamos de escuela de sustentabilidad, le llamamos hoy, queremos que sea una escuela de negocios, pero no una escuela de negócios capitalista, pero una escuela cooperativa ...nuestro método de trabajo de empresa-cooperativa es una propuesta ante los esquemas regulares y regularizados que tenemos normalmente, como aprendes en la práctica, cómo hacer y aprender, podemos decir que la gente que trabaja aquí aprende con la experiencia, para estar apta para muchísimas cosas que el capitalismo nos dice que no somos apto (Representante da Misión de Bachajón).
Essas falas destacam o papel da educação popular, eminentemente crítica, como estratégia pedagógica, mas também como crença política de transformação da realidade. A educação popular, “es un proceso ético‐político‐pedagógico que nos permite superar las explicaciones superficiales y reduccionistas, democratizando nuestras capacidades de construir conocimientos y sentidos, por tanto, construyendo más poder” (JARA, 2008, p. 68), poder e crítica vistos da última fala da Misión de Bachajón quando explica como sua escola de negócios é diferente do modelo hegemônico. Tal como afirma Freire (1994), este tipo de educação não trata só de compartilhar os conhecimentos, mas busca também criar os meios que eles são gerados por contextualizar o ensino na reconfiguração histórica, através do método e da prática, assim como da crítica e dialética de seu contexto. Essa relação entre método e prática é aludida pelo representante da UMAEZ quando aponta para a importância de um lastro prático da teoria.
Por meio da educação popular, o entrevistado da Misión de Bachajón esclarece como os conhecimentos tradicionais são resgatados, valorizados e embasam uma nova forma dos agricultores se inserirem no mundo tensionando com a racionalidade instrumental predominante do modelo hegemônico. Além disso, seus discursos e práticas reforçam mais ainda a racionalidade ambiental de Leff que muito dialoga com a pedagogia da autonomia de Paulo Freire (1996), uma vez que o resgate e a valorização dos conhecimentos tradicionais – que trazem elementos da racionalidade específica camponesa –, acabam sendo dialogados com os novos conhecimentos socioambientalmente responsáveis introduzidos pelas capacitações promovidas pelas Escolas.
Dessa forma, diante do exposto, até agora observam-se três estratégias das escolas estudadas: a valorização da educação popular, o vínculo a movimentos sociais enquanto ação estratégica emancipadora e, mais recentemente, o objetivo de adoção da agroecologia, ainda que haja algumas diferenças entre elas. Tsomanotik, por exemplo, é uma Escola cujo foco da produção agroecológica é nas ecotécnicas, enquanto a Universidad de Bachajón busca, principalmente, resgatar os conhecimentos indígenas tradicionais relacionados às suas técnicas de produção sustentáveis e os articulam com novos conhecimentos trazidos pela Universidade em torno dos direitos humanos e a agroecologia. Por exemplo, os alunos em sua maioria são da região de Bachajón, cuja população fala, além do espanhol, sua língua originária, o Tzeltal. Ademais, eles se tornam uma ponte entre comunidade e Universidade a fim de desenvolverem projetos de agroecologia por meio de ecotécnicas, granjas integrais, manejo orgânico do café, entre outros. A universidade também promove a capacitação de mulheres e homens sobre direitos humanos por meio de comerciais nas rádios comunitárias, cartilhas ou oficinas para a comunidade.
A Universidad de Bachajón salienta o diálogo dos saberes preconizado pela racionalidade ambiental, ao resgatar elementos da tradição indígena maia (racionalidade camponesa-indígena específica) de forma articulada com conhecimentos sobre direitos humanos vindos da academia, unindo a racionalidade instrumental ambiental (técnicas de produção sustentáveis) com a racionalidade substantiva ambiental (autonomia, emancipação, democracia direta, crenças, sustentabilidade, solidariedade e cooperação).
O diálogo dos saberes não se restringe a essas duas experiências, uma vez que é experienciado nas Escolas estudadas, conforme demonstram os relatos seguir:
[En la biblioteca] se está pensando en arreglar todos los trabajos de la misión de bachajón y la mayoría de los trabajos de misión de bachajón son en Tseltal y [...] tenemos esas fichas y aqui estamos organizando, nos pusimos a empezar [...] como história de México, algo de psicología, todo lo que ha hecho la misión, estamos trabajando com … tenemos teología y espiritualidad, género, cultura, educación, seguridad y soberanía alimentaria, salud, estos son los temas [...] e imprimir una ficha ya más digitalizada, estuvimos viendo cual queda, como queda, si falta ... todos en Tseltal ... y faltan más materiales que no están acá que son de los años de 1960, 70, 80, los primeros escritos en Tseltal [...] [para saber conservar los archivos comenzamos con, bueno, estamos con ellos todavía con la universidad de Washington un compañero que se llama Ricardo Gomez es maestro ala y tiene su doctorado en biblioteca y junto con sus alumnos, y apenas tuvimos el primer curso, el segundo curso será a mediados de junio [...] (Representante da Misión de Bachajón).
Y algo muy bonito de aqui del trabajo de la Misión és que casi todos trabajan en Tseltal, pués pocas cosas son en español. Sólo cuando viene alguien que no conoce la lengua pero las nuestras reuniones de trabajo todo es en Tseltal. Entonces ya no es nada más el Tseltal como uso familiar, más como uso laboral [...] de por sí, se vá por una evolución y se vá a mezclar, más que se mezcle conscientemente y no por dominación (Representante da Misión de Bachajón).
Modestamente lo que tenemos en CEFADECI en este espacio ... aquí hemos recibido, pues igual delegaciones de la UNACH de la UNICH, de la Universidad de Guadalajara ... de Chapingo ... vinculación que tenemos con las instituciones educativas que creemos que es necessário estrecharla algo más [...] Empezamos un programa con la secretaría del medio ambiente aquí atrás del cañón de sumidero, nada más que está muy difícil el acceso y varía muchísimo el tiempo . (Representante da CEFADECI).
Más o menos comenzamos a crearlos conceptos de enfoque a partir de 2005, un poco antes de 2005, hicimos algunos foros hemisféricos de agroecología en Cuba, visitamos la escuela de agroecología de Brasil, la escuela política Florestan Fernandes del Movimiento Sin Tierra, MST, tenía un campamento cerca de Iguazu ahí está la escuela nacional de agroecologia, ELAA, ... estuvimos construyendo los conceptos de enfoque y concluímos que tendría que ser multicultural, intercultural, pluricultural y tenía que ser agroecológica [...] bueno fuimos a la escuela Florestan Fernandes y tuvimos algunos talleres de formación política a nível latino-americano ... ahorita tenemos la carrera de desarrollo sustentable, nuestra primera generación sale en el próximo semestre [...] vamos desarrollar también esa línea de ecoturismo y por eso aquí en esa universidad vamos impulsar la carrera de turismo comunitário y agroforesteria, administracion de recursos naturales; bueno, carreras que tienen que ver con la conservación del médio ambiente [...] Los temas son para todos ... (Representante de CEFADECI)
A Misión de Bachajón faz um trabalho de conservação da língua originária local, o Tseltal, utilizando-a durante o trabalho, e preservando-a na biblioteca que conserva e recebe novas produções escritas nessa língua. Percebe-se o balanço entre as racionalidades da lógica camponesa na preservação da língua e as racionalidades da lógica empresarial quando catalogam, categorizam as obras em Tseltal na biblioteca. Ao lado desse trabalho a ESCAMP busca, atualmente, estimular a agroecologia, uma vez que esta se alinha aos seus preceitos da educação popular e as formas tradicionais de produção locais, aqui já trazendo elementos da racionalidade ambiental.
Já CEFADECI revela um diálogo com outras organizações políticas e que promovem a agroecologia da América Latina, como o MST e a organizações de Cuba. Realiza trocas constantes com universidades locais e com o poder político local. Vemos aí um claro diálogo entre conhecimento científico (universidades) e não científico (organizações políticas, movimentos sociais e saberes dos agricultores) em que valores de cooperação, organização política, democracia, justiça social e sustentabilidade são altamente priorizadas remetendo a elementos das lógicas camponesa e ambiental, mas também com elementos da lógica empresarial quando organizam o currículo e a gestão dos cursos na escola. Assim, como no caso da Universidad de Bachajón – a única escola camponesa visitada que tem reconhecimento oficial –, temos nesses exemplos a geração de balanços entre elementos racionais de diferentes lógicas submetidas à busca da sustentabilidade e justiça social.
Esses resultados são reforçados pelas contribuições de Alcazár-Sánchez e Gómez-Martínez (2018) em torno das principais ações das ESCAMPs chiapanecas. Os autores compilaram as estratégias de trabalho dessas organizações, sendo as mais realizadas: ações de caráter coletivo e comunitário (trabalho comum e participação na vida comunitária), a formação crítica em torno da problemática socioambiental ao modo de produção agrária capitalista, o fomento a diversificação produtiva para fins de soberania alimentar baseado na agroecologia, o intercâmbio de experiências entre agricultores e com pesquisadores (diálogo dos saberes), experimentos agroecológicos (ecotécnicas), economia solidária e lutas sociais emancipadoras. Destarte, as escolas são organizações cuja racionalidade substantiva se destaca frente a instrumental ao privilegiar componentes socioambientais na orientação de suas ações. O tópico a seguir discute o perfil racional dessas organizações.
As ESCAMPs enquanto organizações substantivas de racionalidade ambiental
É possível compreender as ESCAMPs estudadas enquanto organizações substantivas fundamentadas na racionalidade ambiental, reforçando as conclusões de Silva (2018) sobre a presença desse tipo de organização no meio rural. Organizações substantivas porque, conforme Guerreiro Ramos (1989) e Serva (1996), são ligadas a movimentos sociais e ambientalistas, conectam o rural com o urbano (produção e consumo), por serem mais descentralizadas, participativas e se organizarem com base em valores como a cooperação, a justiça social, a solidariedade, a sociabilidade, a autonomia, a emancipação, a igualdade e a ética da sustentabilidade. Se movem pela racionalidade ambiental porque, seguindo o postulado por Leff (2006), incentivam a agroecologia por meio do resgate de conhecimentos tradicionais e de experiências atuais dos agricultores, valorizando e se utilizando da racionalidade específica do camponês, e os associam à absorção de novos conhecimentos socioambientais (ex. direitos humanos, ecotécnicas, soberania alimentar, questões de gênero, organização popular) orientados para uma relação de coprodução com a natureza. E o fazem de maneira reflexiva, ou seja, conscientes do que resgatam e do que ressignificam nessa relação, além de possuírem uma visão crítica de seu lugar no mundo em função da educação popular.
É importante enfatizar que é na relação entre os agricultores familiares com organizações ligadas ao movimento ambientalista que a racionalidade ambiental é forjada (SILVA, 2018). A inserção de novos conhecimentos socioambientais se dá pela relação dos agricultores com movimentos e organizações de fora de seus estabelecimentos, como são as Escolas. Nessa relação os agricultores interagem seu conhecimento tradicional e experimental, no qual expressam sua racionalidade específica, com novos conhecimentos técnicos e científicos em torno da agroecologia.
Assim, as ESCAMPs se tornam meios de luta dos agricultores familiares agroecológicos na disputa no meio rural por projetos de agricultura e modos de vida pautados por propostas alternativas à dominante. São alternativas ao modelo fundamentado na expansão da lógica urbano-industrial (hegemônica) no campo, consagradora da empresa rural como única forma de modernizar a agricultura, pautada no uso de Fertilizantes químicos, sementes modificadas, mecanização da produção e endossada pelas políticas públicas, pelas práticas de mercado e arbitrário cultural dominante (BRANDENBURG, 2010a; 2010b). Optam por ações em que natureza e tradição se complementam, apresentando alternativas mais sustentáveis de relação entre sociedade e natureza.
Conclusões
Buscamos com esse artigo compreender a racionalidade ambiental das ESCAMPs de Chiapas ligadas à REDESCAMP. Os resultados apontam para as ESCAMPs como organizações substantivas de racionalidade ambiental. As escolas têm mediado o aprendizado de seus agricultores membros em torno da agroecologia como também os mobilizados socialmente e politicamente para lutas sociais em busca pela emancipação. Assim, mediam algumas relações dos agricultores no meio que os circundam e por isso são imprescindíveis na construção da racionalidade ambiental desses atores.
São organizações que buscam a melhoria das condições de vida dos agricultores familiares a elas ligadas por meio de capacitações construídas a partir das bases pedagógicas e filosóficas da educação popular. Dão prevalência à construção de ações baseadas na horizontalidade, na descentralização, nas relações em rede, na valorização da condição camponesa (PLOEG, 2008) em constante diálogo com conhecimentos técnicos e científicos hegemônicos em busca pela sustentabilidade ambiental e justiça social. Buscam, através da cooperação, acesso facilitado à tecnologias necessárias e adequadas às suas produções, que não agridam o meio ambiente, refletindo aspectos de uma produtividade ecotecnológica (LEFF, 2006). Destarte, ao considerarem elementos da natureza, aspectos da condição camponesa e os recursos e informações existentes na modernidade, projetando nessa a natureza e o tradicional, agem reflexivamente tendo como base a racionalidade ambiental, conformando um rural que abarca atores socioambientais (BRANDENBURG, 2017; LEFF, 2006).
Porém, assim como observado por Silva (2018) em seu trabalho, a expansão dessa racionalidade pode continuar limitada se as relações com o mercado que impõem o monocultivo não forem revistas de forma com que as produções mercantis ampliem a diversidade de produtos e incluam o acesso a mercados alternativos que ofertem maior espaço de autonomia aos agricultores familiares. Dessa forma, as ESCAMPs estudadas poderiam, além de ampliar o conhecimento produtivo agroecológico, fortalecer e aumentar as capacitações que tratem da construção social e o acesso a mercados alternativos alinhados à agroecologia.
O que se vê, em última instância, é que, mesmo diante da relação que os agricultores familiares vinculados às ESCAMPs estabelecem com o mercado, de onde introduzem elementos da racionalidade instrumental-capitalista, as ações deles não deixam de orientarem-se pela racionalidade ambiental, a qual condiciona os meios empregados ao respeito pelos ciclos da natureza como uma estratégia para garantir a reprodução socioambiental familiar e da sociedade.
Agradecimentos
A elaboração e conclusão deste trabalho foi possível em razão do apoio de diferentes organizações e atores. Por isso agradecemos: as organizações integrantes da Rede de Escolas Camponesas de Chiapas e ao Movimento Nacional de Escolas Camponesas; os professores e estudantes da Universidade Autónoma Chapingo, particularmente à sede de Chiapas; o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CONACYT) do México; o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMADE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR); e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil.
Referências bibliográficas
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Letícia da Costa e Silva Professora Adjunta do Departamento de Administração, área de Administração Aplicada, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Recife. Pós-doutora em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável pelo PPGADR/UFFS. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pelo PPGMADE-UFPR, com estágio de pesquisa na Universidad Autónoma de Chapingo (UACh) - México. Experiência na área da Administração, com ênfase em administração rural, projetos, na organização e no apoio a atividades de grupos, cooperativas e associações ligadas ao desenvolvimento rural sustentável e em projetos de pesquisa relacionados ao desenvolvimento sustentável. Interesse de pesquisa nas áreas: desenvolvimento sustentável e empreendedorismo, desenvolvimento rural e regional, agroecologia, administração rural, economia social e as diferentes racionalidades das organizações. E-mail: leticia.csilva@ufrpe.br ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/5662863685960286 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9017-4095 Emanuel Gómez-Martínez Nació en Ciudad de México (1974), estudió sociología (1999), maestría (1999) y doctorado en desarrollo rural (2013) por la UAM Xochimilco, diplomado en antropología jurídica por el INAH (2012) y en agroecología (2011) por la Universidad Internacional de Andalucía, España. Sus líneas de investigación se derivan de su vinculación con organizaciones indígenas y campesinas de Oaxaca y Chiapas donde trabaja desde 1994. Entre sus publicaciones destacan libros y artículos sobre los pueblos Chimalapas, mixtecos, zapotecos del Istmo, y en coautoría los libros: Representaciones sociales de la pobreza y el bien-estar en Chiapas, y Los recursos hídricos en las Regiones indígenas de México. Profesor investigador de la Maestría en Ciencias en Desarrollo Rural Regional de la Universidad Autónoma de Chapingo desde 2014, coordinador del programa académico en Chiapas durante el periodo 2014-2017. Activista de la Campaña Sin Maíz No Hay País. Integrante del Sistema Nacional de Investigadores (SNI) desde 2015. E-mail: pinotzin@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9527-7672 Jesús Geovani Alcázar-Sánchez Originario de la región selva en Ocosingo Chiapas, nací en 1987. Desde los primeros años acompañé a mis padres en las labores del campo, actividades que más adelante fui combinando con la escuela. La mayoría de los estudios básicos y medio superior los realice en la ciudad de Ocosingo. Del periodo de 2007 hasta 2019, los estudios superiores y de posgrado los terminé en la ciudad de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas. Actualmente realizo un doctorado en Ciencias en Desarrollo Rural Regional, en la Universidad Autónoma Chapingo. E-mail: jegealsanchez@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1067-313X |
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 17, 1-33, e023003, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834
[1] A racionalidade capitalista se apoia na dominação da racionalidade instrumental em suas ações, cuja motivação principal dos atores sociais está no uso de instrumentos que criem lucro e eficácia.
[2] Patton (2002) indica que uma das formas de triangulação de métodos é misturar instrumentos de coleta de dados com a intenção de iluminar o problema de pesquisa para testar a consistência dos dados coletados.
[3] Os estudos do campesinato têm diferentes pontos de partida. Embora haja tentativas de combiná-los em uma única análise que inclua as perspectivas agrária, econômica, cultural e ambiental (MAZZETO-SILVA, 2007), nesta pesquisa as teorias foram estudadas separadamente e posteriormente integradas em um único abordagem que incluiu a teoria da economia camponesa (CHAYNOV, 1974; LAMARCHE, 1997; PLOEG, 2008; WANDERLEY, 2008), a teoria ambiental (ALTIERI, 2009; BRANDENBURG, 2017; GLIESSMAN, 2009; LEFF, 2006; SEVILLA-GUZMÁN, 2006; TOLEDO, 1993) e a teoria social (GUERREIRO RAMOS, 1989; POLANYI, 2007; SERVA, 1996; WEBER, 1996; WEBER, 2012).
[4] A Figura 1 sugere um esquema analítico para apoiar a compreensão da orientação das ações das ESCAMPs diante de diferentes aspectos encontrados na agricultura familiar moderna de forma a direcioná-la mais para uma lógica ambiental ou para uma lógica empresarial ou para uma lógica camponesa, ou mesmo a um balanço entre essas três lógicas. Trata-se de um recorte analítico fruto de um esforço de síntese conceitual em torno da racionalidade no ambiente rural. Os pesquisadores entendem que na realidade a relação entre todos os componentes do quadro analítico é dinâmico e não estático, e que dificilmente as ações referentes a eles se encontram exatamente como são apresentados no esquema. Conquanto, para fins da análise científica, a separação e simplificação de um todo complexo em partes interrelacionadas serve enquanto um recurso analítico, tal como defende Raynaut (1994) quando propõe um modelo analítico holístico para pesquisas que versam sobre temas ligados ao desenvolvimento e o meio ambiente, ou mesmo Weber (2012) ao propor os tipos ideais das ações sociais e racionalidades.
[5] Os elementos aqui mencionados são aqueles possíveis de serem observados nas ações sociais de atores rurais, não havendo a pretensão de que todos possam estar relacionados em uma mesma análise. Em outras palavras, quando as ações das ESCAMPs são analisadas, identificamos os principais elementos de cada uma das lógicas e como eles estão relacionados. A listagem de todos esses elementos se dá apenas como uma referência, a qual os autores recorrem para nela verificar quais elementos estão presentes nas ações das Escolas estudadas.
[6] Metodologia horizontal em que há o compartilhamento de conhecimentos e aprendizado de Camponês a Camponês observada em Cuba (ROSSET et al., 2021).
[7] No México, a propriedade social da terra existe em duas modalidades conhecidas como ejido e comunidade (ARANGO-CRUZ; PIRES-SILVEIRA, 2017).
[8] O milpa é um sistema agrícola tradicional mexicano no qual o milho é plantado com feijão e abóbora. No Brasil esse sistema seria denominado cultivo consorciado.
[9] O traspatio (quintal) é um espaço localizado na parte traseira do terreno onde a casa está localizada, usada para o cultivo de vários tipos de plantas de culturas agrícolas e medicinais, pode incluir árvores frutíferas e animais de pequeno gado.
[10] O sentido do termo balanço neste trabalho e o mesmo utilizado por Chayanov e outros autores da sociologia rural que se fundamentam no autor, como Wanderley (2009), Abramovay (1998), Ploeg (2015) e Sevilla-Guzmán (2006), para se referir a conjugação de duas ou mais forças que orientam a ação dos agricultores familiares.
[11] Vale esclarecer que o uso do termo empresário se faz no sentido chayanoviano de explicar às mentes treinadas a analisar o mundo através de lentes capitalistas, a diferenciação da racionalidade camponesa. Para o autor (1974, p. 33) é necessário "unir en el campesino al empresario capitalista y al obrero que él explota, que es el trabajador sujeto al desempleo crónico que obliga a su patrón, en nombre de sus intereses como trabajador, a desorganizar su unidad de explotación y a comportarse de modo incoveniente desde el punto de vista empresarial”. O que se explicita nessa citação é que a partir de um exame baseado na lógica capitalista haveria uma aparente contradição, que é desfeita quando conseguimos entender que racionalidade camponesa se orienta por outra lógica de ação/motivação diferente da capitalista.
[12] Chayanov (1974) sugere que o camponês faz um balanço entre o que ele trabalha e o que ele consome, no sentido de trabalhar apenas o suficiente para atender as necessidades de consumo da família.
[13] Conforme Ploeg (2008), a mercantilização pode ser percebida pela integração ao mercado durante toda a cadeia produtiva, desde a compra de insumos, aluguel/compra maquinários e terras, contratação de empregados, até a venda dos produtos gerados pelo estabelecimento produtivo. A externalização, continua o autor, é revelada quando parâmetros externos são decisivos, ou seja, quando as atividades do processo de produção e trabalho são transferidos e controlados para/por instituições externas e agentes mercantis.
[14] Trata-se da perspectiva que baseia o desenvolvimento social em uma relação recíproca entre o homem e a natureza.