Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 18, 1-30, e024001, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834

Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto

Caracterização da atividade leiteira na microrregião de Iporá/GO –  Brasil

Characterization of dairy activity in the microregion of Ipora/GO –  Brazil

Rondinelli Tosta Morais, Rodrigo Balduino Soares Neves

Resumo

A atividade leiteira tem potencial de gerar renda, tanto a pequenos quanto a médios e grandes produtores. Sendo uma atividade perene, evoluiu a partir do investimento em equipamentos, tecnologias, suplementos, além do melhoramento genético e pesquisas sobre qualidade de leite. Partindo desses aspectos, esta tem como objetivo analisar o impacto da atividade leiteira na vida socioeconômica dos produtores da microrregião de Iporá – GO, utilizando pesquisa de campo, com pequenos, médios e grandes produtores de leite da região como sujeitos. A instrumentalização do estudo se deu com a utilização de um roteiro de entrevistas aplicado aos produtores, na intenção de verificar como a atividade leiteira se encontra organizada na microrregião de Iporá – GO. Considerou-se que ainda há um distanciamento entre o produzido e o valor pago pelo produto (leite), principalmente quando se tem o cenário nacional e seu índice se diferencia ao se considerar a comercialização local.

Palavras-chave: Atividade leiteira, leite, manejo, produtores rurais, renda.

Abstract

Dairy activity has the potential to generate income, both for small, medium and large producers. Being a perennial activity, it evolved from investment in equipment, technologies, supplements, in addition to genetic improvement and research into milk quality. Based on these aspects, this objective is to analyze the impact of dairy activity on the socioeconomic life of producers in the Microregion of Ipora – GO, using field research, with small, medium and large milk producers in the region as subjects. The study was implemented using an interview guide applied to producers, with the intention of verifying how dairy activity is organized in the Microregion of Ipora – GO. It was considered that there is still a gap between what is produced and the value paid for the product (milk), especially when considering the national scenario and its index differs when considering local sales.

Keywords: Dairy activity, milk, management, farmers, income.


Submissão:
01  mai. 2022

Aceite:
21  set. 2023

Publicação:
24 jul. 2024

Citação sugerida

MORAIS, Rondinelli Tosta; NEVES, Rodrigo Balduino Soares. Caracterização da atividade leiteira na microrregião de Iporá/GO –  Brasil. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 18, p. 1-30, e024001, jan./dez. 2024.

Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0).


Introdução

No que tange ao setor de produção leiteira, apesar das tecnologias disponíveis como a ordenha robótica, inseminação, alimentadores automatizados e softwares de gestão, estima-se que 75% de pequenos produtores ainda não tenham acesso ou capacitação para utilização dessas tecnologias, nem acesso às informações dos regulamentos técnicos que normatizam a produção e a qualidade do leite, dispostas na Instrução Normativa no 76 (IN no 76), criada em 26 de novembro de 2018, assim como podemos citar a Instrução Normativa no 77 (IN no 77), a qual define formas de se adquirir leite com qualidade e segurança para o consumidor, ambas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Nesse sentido, os requisitos de qualidade descritos na IN no 76 são referentes à sanidade (conjunto de medidas que tratam das causas e origem das doenças), à higiene (condições fornecidas ao animal que podem aumentar o bem-estar resultando na eficiência, segurança e qualidade da produção), à refrigeração (o leite deve ser resfriado imediatamente após a ordenha) e à nutrição animal (manejo nutricional) (BRASIL, 2018). Para que o produtor consiga produzir o leite com qualidade e eficiência econômica, ele deve realizar ordenha higiênica das vacas, mantê-las bem alimentadas, proceder imediata refrigeração do leite na propriedade rural (SOUZA et al., 2011).

Em muitas propriedades, o leite produzido fica armazenado em latões por horas e, muitas vezes, expostos ao sol, aguardando o transporte, demorando chegar à indústria para ser refrigerado e processado, e isso diminui a qualidade e compromete o preço pago ao produtor, bem como a rentabilidade da propriedade leiteira (GUERREIRO et al., 2005).

No que se refere à caracterização da cadeia produtiva ela se apresenta como um sistema composto por vários setores econômicos que, entre si, estabelecem diferentes relações, articulados em um processo produtivo. De acordo com Viana e Ferras (2007), a cadeia envolve toda a atividade de produção e comercialização de um produto, de forma que, no decorrer dela, os produtos são crescentemente elaborados, obtendo agregação de valor.

Quanto à complexidade da cadeia do leite e sua comercialização, essa variável é uma junção do volume de leite produzido e o preço de venda do litro de leite. Nessa perspectiva, considera-se que o custo da produção possa dificultar a permanência do pequeno agricultor na atividade leiteira. A partir daí, os pequenos produtores precisam observar com atenção os índices econômicos e zootécnicos, utilizados como ferramentas de auxílio à gestão da propriedade rural, capazes de indicar a rentabilidade da produção de leite de qualidade e quais investimentos ainda são necessários (FERRARI et al. 2005).

Considerando que o preço do litro de leite é definido a partir de sua qualidade, o tipo de manejo é fundamental, para que ela possa ser garantida. Não obstante, existem alguns fatores essenciais que são levados em conta no estabelecimento do valor pago por cada litro de leite produzido. Conforme Silva et al. (2017), são verificados a composição do leite, a incidência de microrganismos, a cotação de preços, a flutuação de mercado, as alianças mercadológicas e, por fim, o volume de leite que é comercializado diariamente.

Pelo fato de o município de Iporá estar contido no Arranjo Produtivo Lácteo do Oeste Goiano, ele foi escolhido como objeto de estudo para presente pesquisa. Além disso, como afirma Oliveira (2014), a economia básica deste município é fundamentada na criação de gado bovino leiteiro, concebido de forma extensiva em função do pouco investimento em tecnologia no manejo de produção. Observou-se, também, que a agricultura familiar, que se utiliza do modelo de subsistência em razão da falta de investimentos e de fomento neste setor, é a base essencial da produção local.

Nesse sentido, esta pesquisa é relevante, uma vez que a atividade leiteira contribui para o desenvolvimento econômico da região de Iporá – GO. Como afirma Wink (2012), a atividade leiteira é relevante para a sustentabilidade das propriedades familiares, uma vez que proporciona a esses agricultores uma remuneração mensal, auxilia nos gastos com a manutenção familiar e permite a melhoria da segurança alimentar, por meio da produção de alimentos para a subsistência utilizando o leite e seus derivados na alimentação diária.

Assim, este estudo contribui de forma bibliográfica para as pesquisas sobre a avaliação do sistema produtivo de pequenas propriedades leiteiras da região. Diante do exposto, objetivou-se analisar o impacto da atividade leiteira na vida socioeconômica dos produtores da microrregião de Iporá – GO.

A metodologia utilizada consta de pesquisa sobre os tipos de indicadores de gestão econômica da atividade leiteira no município de Iporá. Quanto à sua natureza, foi aplicada uma abordagem quali-quantitativa, no que diz respeito aos objetivos, exploratória e, relativamente aos procedimentos, bibliográfica e de campo.

De modo estrutural, este trabalho está dividido em tópicos que abordam a caracterização da atividade leiteira no Brasil e o contexto da atividade leiteira em Goiás e Iporá. Em seguida, apresenta-se os materiais e métodos da pesquisa e, por fim, os resultados, a discussão e as conclusões do estudo.

Atividade leiteira

Em virtude da sua expansão territorial, o Brasil comporta uma capacidade generosa de produtos in natura. Nesse contexto, a agropecuária se insere como modelo de negócio, abrangendo grande parte de pequenos e médios produtores que têm na atividade leiteira sua principal fonte de renda. Em muitos casos, são propriedades de pequeno-médio porte em razão da extensão de terra ser pequena (MORAES; FILHO, 2017).

No país, o leite é um dos seis produtos mais importantes da agropecuária brasileira, sendo essencial no suprimento de alimentos e na geração de emprego e renda para a população, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 2016).

O estado de Goiás ocupa o 5o lugar no ranking nacional da produção de leite, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019). De acordo com dados do IBGE, a estimativa é de que um terço da produção nacional seja consumida na forma fluida, portanto, 11,6 bilhões de litros, ou seja, 57 litros per capita/ano ou 4,8 litros/mês (BRASIL, 2018). Em 2018, a produção brasileira de leite foi de 33,8 bilhões de litros, apresentando um incremento de 1,6%, pois a produção voltou a crescer após uma retração de 1,1% em 2017 (IBGE, 2019).  

Com relação ao ano de 2021, o volume de leite adquirido pelos laticínios fechou o ano em 25,079 bilhões de litros, queda de 2,19% em relação a 2020, consoante os dados da Pesquisa Trimestral do Leite do IBGE. Isto porque, o valor dos insumos ficou mais caro e ocasionou forte impacto nos custos de produção de leite (EMBRAPA, 2022).

Em relação à produtividade do leite, o ranking nacional em 2018, conforme consta no documento da produção municipal do Centro-Oeste (IBGE, 2018), destaca que a Região Centro-Oeste ocupou a terceira colocação, com 1571 produtores em atividade. Nessa região, o estado de Goiás ganhou relevância no cenário nacional como grande produtor agropecuário, se encontrando inserido no contexto do agronegócio, tanto nacional como internacional.

Nesse aspecto, a produção leiteira volta-se também para o mercado internacional na forma de produtos industrializados, derivados de leite, e não apenas como subsistência da população do campo, mas como grande potência mercadológica, tanto interna quanto externa, a qual se torna responsável pelo apoio do comércio regional, agindo como parte significativa de uma engrenagem voltada para a economia nacional (ALVES et al., 2016).

Em 2018, a produção leiteira no estado de Goiás ocupou o 4o lugar, ficando atrás de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, com a produção de 3,1 bilhões de litros de leite ao ano, conforme aponta o ranking de 2018, elencado pela Diretoria de Pesquisa, Coordenação de Agropecuária, Pesquisa da Pecuária Municipal – IBGE (BRASIL, 2018).

A produção leiteira nacional teve seu destaque no início da década de 1990, quando acabou o tabelamento do preço dessa matéria-prima. As modificações na atividade leiteira trouxeram a liberalização do preço e a abertura da economia ao mercado internacional, tornando-a um grande potencial competitivo e inovador no mercado, com foco na produção de qualidade, incorporação de valor e inovação na oferta de produtos aos clientes (CORRÊA et al., 2010).

Já no ano de 1997, capitaneado pelas grandes indústrias de processamento de leite, iniciou-se o processo de resfriamento do leite nas próprias fazendas e o transporte a granel, garantido assim a melhor conservação da qualidade do leite produzido pelos produtores brasileiros (VINHOLIS; BRANDÃO, 2009).

Em 2002, ocorreu a atualização da legislação sanitária federal na produção de leite. O Mapa criou a Instrução Normativa no 51 – IN no 51 que regulamentou a produção, identidade e qualidade do leite tipo A, leite cru refrigerado, leite pasteurizado e a coleta de leite cru refrigerado e seu transporte a granel, e estabeleceu requisitos básicos para produção do leite de qualidade (BRASIL, 2002).

Essa normativa foi atualizada em 2011, por meio da IN no 62, direcionada somente ao leite, com vistas a estabelecer remuneração ao produtor que fornece leite de qualidade, e padronizar as características físico-químicas e microbiológicas, dentre outros aspectos necessários para obter uma melhor qualidade do leite (BRASIL, 2011). Ela foi fundamental para que os produtores de leite se atualizassem e se informassem com relação às técnicas de higiene e armazenagem e aos padrões físico-químicos e microbiológicos esperados pelos laticínios para industrialização.

Em 26 de novembro de 2018, a legislação brasileira passou por nova atualização, com a publicação da IN no 76 e IN no 77, com o objetivo de redefinir os critérios da produção, identificação, qualidade, coleta e transporte do leite tipo A, leite cru refrigerado e leite pasteurizado, além de alterar o cronograma que rege os parâmetros de qualidade (CCS e CBT) do leite cru refrigerado com intenção de promover o desenvolvimento da melhoria da qualidade do leite no Brasil (BRASIL, 2018).

Na agregação de valor, encontram-se muitas organizações que processam o leite, fabricam ou vendem os insumos usados na produção de leite, como cooperativas e indústrias, que pagam de acordo com a qualidade do produto (VILELA et al., 2016). Assim, é preciso considerar que alguns produtores não têm condições financeiras para seguir os padrões higiênico-sanitários exigidos nas normativas, isso porque, não investem em infraestrutura, sanidade dos animais e no aperfeiçoamento técnico por meio de cursos e palestras sobre como melhorar a qualidade do leite. Nesse sentido, o não investimento nessas ações, faz com que o produtor não receba uma remuneração diferenciada por quesitos de qualidade pela cooperativa ou laticínio (JUNG; JÚNIOR, 2017).

Além disso, considera-se que sem capital para investir na atividade, grande parte destes produtores não utiliza tecnologia, alcançando um produto de menor qualidade e, consequentemente, tornam-se ineficazes diante das exigências do mercado (SILVA; TSUKAMOTO, 2001).

Ainda existem grandes desafios para o desenvolvimento da pecuária leiteira que são, na maioria das vezes, resultados do baixo grau de organização e da grande quantidade de pequenos produtores que, sozinhos, não conseguem negociar melhores preços pelo leite, que flutua entre safra e entressafra, mas no final fixa-se em patamar considerado baixo. Desarticulados e com pequeno poder de barganha, os produtores têm dificuldades para conseguir os recursos necessários para investimentos em novas tecnologias que possibilitem, além da melhoria na qualidade do leite, mais quantidades produzidas (MATTOS; SANTANA, 2014).

Portanto, de acordo com dados do Censo Agropecuário de 2016, a desistência de 107.000 pequenos produtores da atividade leiteira no Brasil até 2016, que correspondem a 56,24% do número total de produtores atuantes no setor (JUNG; JÚNIOR, 2017), foi um cenário anunciado e previsível. 

Contexto da atividade leiteira em Goiás e Iporá

A atividade leiteira é responsável pela geração de mais de 220 mil empregos diretos e indiretos em Goiás, e está presente nos 246 municípios goianos (SENAR, 2018). De acordo com o último levantamento do IBGE (2019), o estado de Goiás encontra-se na quarta posição na produção nacional, com um total estimado de 3.180.505 litros anuais, correspondendo a 9,13% da participação.
        No estado de Goiás, o diagnóstico da produção leiteira demonstra que 78% dos produtores são proprietários de terras compradas ou herdadas e 22% são arrendatários totais ou parciais. Ainda segundo os dados do diagnóstico, em 22,8%, a propriedade é própria, comprada ou como parte de herança; 25,0%, é própria, mas fruto de herança; 24,1% das propriedades são próprias, sem que tenham sido herdadas; 18,5% representam as propriedades arrendadas ou com contrato de concessão; 2,3% correspondem à parte própria adquirida e à parte arrendada; 1,4% é herança e parte arrendada; e, por fim, 0,4% corresponde a propriedades originadas de assentamentos (LIMA JÚNIOR
et al. 2019).  
        Os outros dados denotam a geração de renda, a manutenção do patrimônio familiar e o lazer. Isso indica uma dissociação entre a intencionalidade da produção e seu resultado, que é a geração de renda. Muitos produtores ainda consideram que a produção do leite deve estar associada a uma segunda atividade, aí sim, com a intencionalidade da renda. Isso acontece, geralmente, porque o pequeno produtor, por exemplo, não consegue se manter apenas com um tipo de atividade agropecuária. Dentre as propriedades, e em relação aos seus objetivos, 43% são destinadas à produção de leite, 37% à geração de renda, sem especificar de que forma, 18% como forma de manter o patrimônio da família e 2% ao lazer (LIMA JÚNIOR
et al. 2019).  
        De acordo com Lima Jr.
et al. (2019), a oscilação dos preços é uma das grandes reclamações dos produtores, sendo considerada como um dos maiores problemas enfrentados na atividade leiteira. No diagnóstico da produção leiteira, realizado pelo autor, a maioria revela que as oscilações de preço são consideradas fator de insegurança para a produção. Os demais participantes do estudo citaram a incerteza no preço de venda, mão de obra desqualificada, além dos custos elevados na produção, preço baixo, entre  outras condições.
        Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são uma forma de organização econômica e geográfica, em que empresas e outras instituições, que têm finalidades comerciais comuns, se agrupam para alavancar seus negócios pelo compartilhamento de informações, linhas de crédito, políticas públicas, mão de obra qualificada, entre outros benefícios (ULTRAMARI; DUARTE, 2012). Um dos arranjos produtivos da agropecuária no estado de Goiás, que merece destaque, é o APL Lácteo do Oeste Goiano, anteriormente chamado APL Lácteo de São Luís de Montes Belos, ao qual Iporá Goiás faz parte.
        Em específico ao município de Iporá, é importante esclarecer que este foi inserido no APL em 2021, durante a 9a Reunião do Comitê Gestor, em Firminópolis, com presença da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), Universidade Estadual de Goiás (UEG), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Instituto Federal Goiano (IF Goiano), sindicatos rurais e secretarias dos municípios integrantes (EMATER, 2022).
        Desta forma, por fazer parte do APL Lácteo do Oeste Goiano, Iporá e a microrregião foram escolhidos como objeto desta pesquisa. Além disso, o fato de os autores terem contato com a cidade de Iporá – GO impulsionou ainda mais a escolha por esta região residir na cidade de Iporá – GO impulsionou ainda mais a escolha por esta região.

Materiais e métodos

O estudo do perfil dos produtores de leite da microrregião de Iporá – GO (Figura 1), é caracterizado como exploratório, uma vez que buscou-se analisar e avaliar os indicadores da gestão econômica da atividade leiteira dessa região. Na obtenção de seus resultados, a abordagem do estudo foi quali-quantitativa.

Figura 1 – Mapa do estado de Goiás com a visualização da microrregião de Iporá

Fonte: Sá et al. (2017).

Para que isso fosse possível, foi aplicado um roteiro de entrevistas, por meio de questões estruturadas, como instrumento de pesquisa, voltado para os sujeitos participantes, como forma de captação de dados e das interpretações da realidade demandada.
        Na efetivação da pesquisa, foi adotada uma amostragem de 70 propriedades cuja atividade foi caracterizada pela pecuária leiteira, localizadas em um raio de 30 km, partindo do município de Iporá e abrangendo propriedades dos municípios de Amorinópolis e Israelândia, sendo estes incluídos em virtude da distância estipulada. Essa limitação se justifica pelo fato de a microrregião de Iporá conter mais de 200 propriedades, e o critério utilizado para a seleção delas foi a proximidade com a cidade. Para o mapeamento das propriedades, foi utilizado o GPS, com imagens obtidas via satélite, realizado por um colaborador contratado para esse fim.
        As visitas para a aplicação dos questionários ocorreram entre os meses de março e junho de 2019. A pesquisa foi realizada em três etapas, sendo que, a primeira, correspondeu à revisão bibliográfica acerca da cadeia produtiva do leite, ao levantamento dos instrumentos de gestão, considerando os aspectos da contabilidade rural, bem como à análise do contexto histórico da expansão da pecuária leiteira no Brasil e no estado de Goiás.
        Na segunda etapa, foi realizada uma apuração sobre a quantidade de produtores de leite da microrregião de Iporá, tendo como base os dados emitidos pelo IBGE. Além disso, foi elaborado o instrumento da pesquisa, ou seja, o questionário, conforme modelo disposto no Apêndice A, a ser aplicado de acordo com a amostragem. Esse questionário foi submetido à aprovação do Conselho Ético da Universidade Estadual de Goiás, e aprovado por meio do Processo no 12042219.0.0000.8113.
        Na terceira etapa, ocorreu a aplicação do questionário, e os produtores selecionados na amostragem foram esclarecidos acerca da pesquisa, bem como sobre a forma como os dados seriam obtidos.
        O questionário foi aplicado sem a identificação nominal dos respondentes. Buscou-se saber a área total das propriedades, a área total destinada à atividade leiteira, o uso de curral com barracão coberto, a distância da propriedade até a cidade mais próxima, no caso Iporá, Amorinópolis e Israelândia, os motivos relacionados ao trabalho com a atividade leiteira e, ainda, há quanto tempo tal atividade era exercida.
        Os critérios para a avaliação de grande, médio e pequeno produtor, foram estabelecidos por meio de informações como o método de ordenha utilizado, a quantidade de vacas em lactação e a quantidade de leite produzido em relação à área da propriedade, qual a finalidade do leite produzido, o valor de comercialização, o destino do leite produzido e que não é processado nas propriedades, a origem da mão de obra da propriedade, as manutenções realizadas com o intuito de aprimorar o desempenho na atividade leiteira e de acordo com o tamanho da propriedade, os custos de manutenção da propriedade, os gastos com produtos agropecuários e, por fim, as dificuldades que o produtor encontra em se manter na atividade leiteira.
        Após o término do roteiro de entrevista, os dados foram avaliados considerando suas variáveis quantitativas e qualitativas. Para tanto, utilizou-se um estudo estatístico descritivo que teve como pressuposto a análise de frequência de respostas. Na sua função de descrição dos dados, esta tem as seguintes atribuições: obtenção, organização, redução e representação dos dados estatísticos para auxiliar a descrição do fenômeno observado (DIEHL; SOUZA; DOMINGOS, 2007). De tal modo, os dados foram tratados utilizando-se planilhas do Excel, principalmente na construção dos gráficos e, em seguida, foram confrontados com a teoria apresentada, dialogando com os referenciais teóricos utilizados na construção da pesquisa.


Resultados e discussão

Na microrregião de Iporá, 60% das propriedades são de pequeno porte (0-25 ha), com predominância do perfil inserido no conceito de agricultura familiar (Figura 2). Quanto maior a propriedade, mais reduzido se torna seu número, representando apenas 6,67% dos produtores que possuem uma área de 76-100 ha.

Figura 2 – área total das propriedades (há) na microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Em relação às propriedades com perfil de agricultura familiar comum às propriedades de pequeno porte, Peraci (2007) reforça que a atividade leiteira é considerada um dos grandes geradores de renda mensal aos produtores. No entanto, nem sempre o produtor consegue gerir a renda oriunda da agricultura familiar, o que compromete a qualidade da gestão, principalmente quando se trata de propriedades herdadas, nas quais os beneficiários não possuem vontade ou habilidade para gerir e controlar a produção.
        Quanto à predominância do perfil de agricultura familiar, de acordo com Medina, Camargo e Silvestre (2018), em Goiás as pesquisas sobre a relevância numérica, importância econômica, bem como as singularidades dos sistemas de produção e as atividades originadas pela agricultura familiar são consideradas incipientes.
        Por outro lado, em propriedades de maior porte há a predominância de multiculturas, não sendo a produção leiteira o único meio de subsistência.

Desse modo, observa-se na Figura 3 que os produtores com áreas maiores utilizam uma menor porcentagem para a atividade leiteira. Em propriedades com área de 0-25 ha, 40% de toda área são destinados à atividade leiteira e, nas maiores (76-100 ha), esse número cai para 15%. Nessas propriedades há o predomínio das lavouras de soja, milho e mandioca, além do plantio de vegetais para a própria subsistência.

Figura 3  Área das propriedades da microrregião Iporá destinada à atividade leiteira

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Quando se analisa os dados do estado de Goiás e do presente estudo, é possível observar que condizem com os resultados. Segundo Lima Jr. et al. (2019), uma área para produção de leite com menos de 70 ha, corresponde a 79% das propriedades produtoras, e somente 8% das propriedades possuem mais de 140 ha.
        A respeito da abrangência produtiva em relação à atividade leiteira, Castro
et. al. (2014) justificam que a sazonalidade da produção ainda é um dos maiores entraves para a atividade leiteira em Goiás. Isso se reflete diretamente no denominado “sistema de produção”, uma vez que se configura maior no verão e menor no inverno. Como em grande parte o rebanho se alimenta de forrageiras e estas diminuem significativamente com a seca, que no bioma cerrado é bem marcada, o pequeno proprietário, mesmo optando por uma única subsistência, ainda é condicionado a ter mais rendimentos em épocas chuvosas e menor produção quando isso não ocorre.

Castro et al. (2014) apontam para a existência do produtor especializado, descrito como aquele que tem uma visão mais heterogênea da capacidade produtiva de sua propriedade e, para tanto, se utiliza de raças leiteiras consideradas puras e investe na alimentação para mitigar os problemas da sazonalidade. Além desses diferenciais, os produtores especializados fomentam grandes investimentos no manejo animal, e equipamentos de ordenha e refrigeração de ponta.
        Outro importante indicador da gestão econômica relativa à atividade leiteira se refere aos investimentos feitos na infraestrutura da propriedade. A construção de instalações adequadas para o manejo do gado leiteiro, a preocupação com as trocas térmicas e o modo de redução dos níveis de estresse das vacas são formas efetivas de garantir uma melhor produtividade.
        Na microrregião de Iporá observa-se, na Figura 4, que nas propriedades de pequeno e médio portes é mais comum a existência de galpões cobertos nos currais, destinados não apenas à ordenha. Em propriedades com áreas de 0-25 ha foi verificado que 37% possuíam galpões cobertos e com áreas de 51-75 ha, 30% possuíam galpões e currais cobertos, enquanto nas propriedades de 26-50 ha esse número representa 33%. Nas maiores (76-100 ha) não foi registrada a presença de cobertura nos currais.

Figura 4 – Propriedades que possuem curral com barracão coberto na microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Considerando que em grande parte das propriedades não há a presença de galpões aclimatados, a estruturação de currais adequados, com a diminuição de exposição do rebanho ao sol excessivo, torna-se necessária para diminuir as perdas de produção relacionadas às doenças ocasionadas em virtude da excessiva umidade corporal.
        Segundo Baccari Jr. (1998), embora seja mais comum o rebanho ser composto por animais adaptados ao clima tropical, os não adaptados apresentam traços de sofrimento sob altas temperaturas. Esse aspecto é conferido por estudos que visam medir os parâmetros fisiológicos, observando os problemas metabólicos que possam ocorrer, principalmente o estresse calórico. De acordo com Ferreira
et al. (2006), os bovinos são suscetíveis às variações térmicas, e na medida em que a umidade e a temperatura do ambiente ultrapassam o índice de conforto térmico, dificultando que o calor seja dissipado, a frequência respiratória se modifica, podendo ser possível constatar pela observação. Por isso, o investimento em galpões cobertos para o manejo dos animais faz com que seus organismos não se esforcem tanto, diminuindo o estresse e ampliando a produtividade.
        Conforme os dados observados na Figura 5, as propriedades maiores são as que apresentam localização mais próxima à cidade, destacando-se como um fator positivo, por facilitar o escoamento e a venda do leite e seus derivados. As propriedades que possuem uma área de 26-50 ha apresentam uma distância maior, ou seja, uma média de 26 km para a cidade mais próxima. Desse modo, para o escoamento da produção, essas propriedades passam a contar com a coleta comunitária na qual os pequenos produtores levam o leite até o resfriador mais próximo para que seja armazenado e depois recolhido pelos caminhões-tanque.

Figura 5 Distância entre a propriedade e a cidade mais próxima (km)

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Uma das grandes dificuldades no escoamento do leite é o distanciamento das propriedades dos centros de comercialização e beneficiamento da produção leiteira. Quanto mais distante a propriedade está da rota de captação, mais problemas podem ocorrer, como caminhos inutilizados ou de difícil acesso. Do mesmo modo, o tempo de permanência na propriedade deve ser levado em consideração quando se analisa a produtividade das propriedades leiteiras.
        Ainda existem produtores que, pela baixa produtividade, não conseguiram investir em sistema de refrigeração por meio de tanques de expansão, permanecendo o leite armazenado em latões. Assim, se ocorrer a falta de condições de tráfego ou de energia para conservação do leite, as propriedades que ficam mais próximas à cidade possuem menos riscos de perda de sua produção.
        A problemática do fornecimento de energia elétrica no estado de Goiás é vivenciada com mais intensidade pelos produtores, uma vez que os tanques de resfriamento precisam estar em pleno funcionamento para que a qualidade do leite possa ser garantida. Por outro lado, são poucos produtores que investem em geradores e, por isso, nos dias de falta de energia elétrica em suas propriedades, pagam o preço da perda do produto. Essa é uma realidade vivenciada em todo o estado e, conforme Lima Jr.
et al.(2019), 66% dos produtores não possuem o gerador de eletricidade em suas propriedades, demonstrando assim a relevância da distância das propriedades em relação ao centro consumidor.
        Observa-se na Figura 6 que na microrregião de Iporá a atividade leiteira é praticada principalmente com o objetivo de aumento de renda (46,70%), seguida pela tradição familiar (20%) e outros (20%). Resultado semelhante foi encontrado por Stoffel e Trentin (2014) quando avaliaram a importância da renda adquirida por meio da atividade leiteira para as propriedades de agricultura familiar no município de Coronel Vivida, Região Sudoeste do estado do Paraná, ou seja, além de proporcionar uma fonte de renda representativa para as propriedades analisadas, esta atividade participa com um montante significativo em termos de geração de renda para o município, contribuindo para o desenvolvimento local e regional.
        Além disso, cerca de 13,30% dos produtores responderam que trabalham com a atividade leiteira com o propósito de sustentar a família.

Figura 6 – Motivo para o trabalho com a atividade leiteira nas propriedades da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Ao se analisar a Figura 6, é possível observar na microrregião de Iporá que o principal objetivo dos proprietários rurais é a produção leiteira para o aumento da renda familiar. Entretanto, muitos produtores se inserem no mercado leiteiro como uma forma de prosseguir com a tradição familiar, ou mesmo como segundo ou terceiro meio de ampliação da renda, sem se prender a uma monocultura. Assim, percebe-se que a agricultura familiar é o grande ponto da produtividade leiteira da microrregião citada, sendo qualificada como meio de subsistência de grande parte dos produtores.
        O conceito de agricultura familiar significa, de acordo com  por Wanderley (2009), que a família é a principal envolvida nas atividades, sendo ao mesmo tempo proprietária e responsável pela produção.
        A atividade leiteira, exercida com o fim de subsistência, é comum nas pequenas propriedades. Nessas, há duas perspectivas: a associada com outro tipo de produção, normalmente de plantio; e a monocultura, na qual o agricultor depende única e exclusivamente da rentabilidade oriunda da comercialização do leite.
        Os resultados quantificados na Figura 7 estão diretamente ligados aos apresentados na Figura 8. Observa-se que 66% dos proprietários trabalham com a atividade leiteira entre 1 e 10 anos, o que indica provavelmente que a existência da atividade leiteira na propriedade não tenha sido por herança familiar, visando aumentar a renda familiar, o que, por sua vez, pode se tornar uma tradição. Nota-se, na mesma Figura 7, que em 14% das propriedades a atividade leiteira está presente há mais de 16 e menos de 20 anos, valor próximo ao dos produtores que têm a atividade leiteira como tradição familiar.

Figura 7 Tempo de atividade leiteira nas propriedades da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

A agricultura familiar se encontra presente em todas as regiões do país. Como também existe a prática da agricultura de subsistência, justifica-se o fato de que nem todas as propriedades são dedicadas à produção leiteira.
        Na Figura 8 é possível observar que o uso tecnológico nas propriedades da microrregião de Iporá, como a ordenha mecanizada, é baixo (13%), prevalecendo a ordenha manual em 87% das propriedades avaliadas no estudo.

Figura 8 – Método de ordenha utilizado nas propriedades da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Ressalta-se que a microrregião de Iporá necessita avançar no que tange à modernização da infraestrutura utilizada na obtenção do leite, para assim acompanhar a evolução do estado de Goiás que, em 2009, possuía apenas 21,4% das propriedades leiteiras equipadas com ordenha mecânica, segundo Gomes et al. (2009), e hoje evoluiu para 61,09%, conforme relatado por Lima Jr. et al. (2019).
        Aleixo (2000) indica que a tecnologia pode ser considerada determinante do diferencial produtivo e sua manutenção. A escolha pelo uso ou não da tecnologia na produção incorre também na transformação do sistema de produção, tendo o poder de torná-lo sustentável ou não. Por outro lado, há que se levar em conta que o produtor precisa estar consciente dos custos de implantação de aparatos tecnológicos, avaliando se o retorno em pequeno, médio e longo prazo pode compensar os gastos imediatos.

Figura 9 – Quantidade de vacas em lactação de acordo com a área da propriedade leiteira da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Observa-se nas Figuras 9 e 10 que as propriedades maiores são as que apresentam mais eficiência em relação à quantidade de vacas em lactação por hectare e produção de leite por hectare. Nas propriedades maiores (76-100 ha), levando em conta a atividade leiteira, nota-se que a área é subaproveitada, uma vez que nem sempre a atividade leiteira é a única da propriedade e, por isso, o plantel é reduzido em comparação com a quantidade de hectares disponíveis. Por sua vez, nas propriedades de 0-25 ha, o número de vacas em lactação e quantidade de leite produzido é maior, mesmo com uma área quatro vezes menor.

Figura 10  Quantidade de leite produzido de acordo com a área da propriedade leiteira da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Os resultados demonstrados nas Figuras 9 e 10, denotam que nas propriedades menores ocorre um melhor aproveitamento da área para atividade leiteira. Essa realidade pode ser justificada pelo fato de a área não ser explorada para outro tipo de atividade, tal como plantio ou criação de gado de corte, logo, o espaço é aproveitado em sua totalidade para compensar os custos com o manejo.
        Destaca-se que no cenário atual existem algumas alternativas para diversificar a renda do pequeno e médio produtor, materializadas em integração: lavoura; pecuária; floresta (ILPF). Nesse modelo, defende-se a produção sustentável, na qual as atividades agrícolas, pecuárias e florestais são integradas, resultando no menor impacto ambiental. Assim, segundo a Embrapa, a ILPF pode ser considerada como sistema de produção sustentável, capaz de integrar as atividades agrícolas, pecuárias e florestais, quando realizadas na mesma área. Isso pode ocorrer por meio de cultivo consorciado, sucessão ou rotação, e seu objetivo é manter a sinergia entre o ecossistema e a exploração (CORDEIRO,
et al., 2015).
        A Figura 11 mostra a forma de comercialização do leite produzido nas propriedades da microrregião de Iporá. Do quantitativo total produzido, tanto nas propriedades de pequeno e médio quanto nas de grande porte, apenas 6,70% são utilizados para consumo interno.

Figura 11 – Comercialização do leite produzido nas propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

O cooperativismo tem se mostrado uma alternativa altamente eficaz para o escoamento da produção leiteira e regulação da oferta, procura e preços praticados. Ressalta-se que esse modelo de gestão da produção foi regulamentado pela Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1971, dispondo que o cooperativismo seja uma atividade decorrente das iniciativas do setor público ou privado, sejam isoladas ou coordenadas entre si (BRASIL, 1971). Na produção leiteira, o cooperativismo representa a melhor margem de negociação do preço entre o produtor e as indústrias de beneficiamento.
        Em relação à destinação do leite produzido na microrregião de Iporá, a Figura 12 mostra que cerca de 66% são entregues nas cooperativas. Já para os laticínios são destinados 27% e nas feiras são comercializados 7% do leite produzido.

Figura 12 – Destino do leite produzido nas propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Embora o cooperativismo seja uma das melhores formas de gestão da produção, observa-se que, na microrregião de Iporá, as cooperativas não conseguem preços de mercado pela falta de espaço para a negociação, uma vez que os laticínios podem ser negociados diretamente com o produtor quando o preço imposto pela cooperativa se torna insatisfatório.
        Em relação à comercialização do leite em comparação ao tamanho da propriedade, os dados demonstram que nas propriedades acima de 26 ha, 100% do leite é destinado para laticínios, enquanto nas propriedades com área de 0-25 ha a comercialização é feita com cooperativa, 77,77%, com laticínios, 11,11%, e em feiras livres, 11,11%. Esses percentuais podem ser verificados na Figura 13.

Figura 13 – Destino do leite produzido de acordo com a área da propriedade da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

O fato de 100% do leite produzido pelas propriedades de médio e grande portes ser comercializado diretamente com os demais laticínios se justifica pela possibilidade de investimento na produção, com a presença de tanques de armazenamento e maior investimento em diversas tecnologias (inseminação, alimentação, atendimento técnico e gerenciamento), consequentemente, ocorre o atendimento aos padrões de produção e qualidade exigidos pela legislação vigente. Isso faz com que o poder de barganha desses produtores seja ampliado em relação aos proprietários de pequeno porte, sobretudo quando as empresas de laticínios dispõem de sistema de bonificação por qualidade.

Figura 14 – Origem da mão de obra das propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

De acordo com os dados demonstrados nas Figura 14, a mão de obra das propriedades leiteiras da microrregião de Iporá, na maioria dos casos, é predominantemente familiar (86%) e própria (14%).

Figura 15 – Investimentos realizados com o objetivo de melhorar o desempenho da atividade leiteira nas propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Conforme os dados obtidos no atual estudo, pode-se observar na Figura 15 que os investimentos e as manutenções que são feitas nas propriedades pertencentes à microrregião de Iporá, visando melhorias no desempenho da atividade leiteira, são principalmente na pastagem (40%) e curral (34%). As manutenções de cercas (13%), investimento em genética (7%) e ordenha (6%) são realizadas em proporções menores.
        Esses resultados revelam o quanto o sistema produtivo da microrregião de Iporá deve ser analisado, o que demonstra a necessidade de aplicação de técnicas de gestão de indicadores que orientarão os produtores, onde, como e quando investir para melhorar a sua produtividade e rentabilidade. Segundo Ferreira, Siqueira e Pereira (2015), investimentos em genética ou mesmo em ordenhas mecânicas, por mais que contribuam para a melhoria da qualidade do leite, são as justificativas mais utilizadas, principalmente pelos pequenos produtores, para o diminuto percentual de investimento.

Figura 16 – Manutenção de infraestrutura realizada com objetivo de melhorar o desempenho da atividade leiteira das propriedades leiteiras da microrregião de Iporá de acordo com o tamanho da propriedade

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Observa-se na Figura 16 que, de acordo com o tamanho da propriedade, os investimentos dos produtores são: propriedades de 0-25 ha, cerca, pastagem, curral e genética; propriedades de 26-50 ha, pastagem, curral e genética; propriedades de 51-75 ha, cerca e pastagem. Já nas propriedades maiores (76-100 ha) a manutenção é realizada prioritariamente nos currais.

Figura 17 – Custo de manutenção de acordo com o tamanho das propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

A Figura 17 mostra que as propriedades com área de 26-50 ha possuem o custo de manutenção mais elevado (R$ 2.566,00). No entanto, ao analisar as Figuras 10 e 11, nota-se que estes custos elevados não são convertidos em aumento de produção, pois mesmo com área maior que propriedades de 0-25 ha, o aumento de produção não ocorre como se espera. Por sua vez, a baixa produção de leite nas propriedades com 76-100 ha está associada ao pouco investimento em manutenção. Esses dados retomam a questão do investimento em manejo e manutenção das propriedades, concordando com Ferreira, Siqueira e Pereira (2015), que afirmam que a qualidade do leite deve ser diretamente influenciada pelos investimentos feitos em manutenção. 

Figura 18 – Gastos com produtos agropecuários de acordo com o tamanho das propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Verifica-se na Figura 18 que as propriedades de 26-50 ha apresentam menor gasto com produtos agropecuários. Os gastos seguem a seguinte ordem: 76-100 ha (800,00); 51-75 ha (760,00); 0-25 ha (432,00); e 26-50 ha (350,00). Dessa maneira, pode-se notar que os custos de manutenção e manejo de uma propriedade leiteira, e os insumos utilizados, tanto na preservação do conforto físico do rebanho quanto na prevenção e tratamento de males, até a conservação do produto, estão diretamente relacionados com a dimensão das propriedades.
        Para Medeiros
et al. (2012), grande parte das propriedades rurais do país ainda é administrada de modo superficial, sem confrontar os custos e a produtividade.
        Por outro lado, tal dinâmica é ainda mais desfavorável quando se considera que o produtor, em sua maioria, desconhece os custos de sua propriedade, ou pelo menos os reconhece de forma mais fragmentada. Dessa maneira, as propriedades rurais precisam se considerar como empresas, resultando dessa postura mais controle e melhor gestão.
        Contudo, um modelo de gestão serve para mostrar por que em algumas propriedades os custos não caminham no mesmo passo que a produtividade. Nem sempre um custo maior no manejo significa aumento da produção, pois isso depende do destino do gasto, uma vez que alguns resultados são perceptíveis em curto prazo, mas outros somente serão registrados a longo prazo, como é o caso do melhoramento genético do rebanho, que tem um custo alto, que trará resposta positiva somente após a primeira prenhez das matrizes.
        A Figura 19 apresenta as causas apontadas pelo produtor para se manter na atividade leiteira.

Figura 19 – Principais causas apontadas pelo produtor para se manter na atividade leiteira das propriedades leiteiras da microrregião de Iporá

 

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

As principais dificuldades estão associadas principalmente ao preço do leite (40%), ao preço e custo (33%), ao preço, o custo e à falta de incentivo (13%). Sete por cento relataram que a dificuldade é o preço, o custo e a baixa produção, e outros 7% apontaram somente o custo como a maior dificuldade.

Figura 20 – Dificuldades para se manter na atividade leiteira de acordo com o tamanho da propriedade leiteiras da microrregião de Iporá

Fonte: Dados extraídos do roteiro de pesquisa (2019).

Pode-se observar na Figura 20 que a maior dificuldade enfrentada pelos produtores das propriedades com 0-25 ha e 51-75 ha é o preço e o custo. Cerca de 11,2% produtores das propriedades com 0-25 ha apontam a baixa produção; os produtores das propriedades de 26-50 ha consideram o preço, o custo e a falta de incentivo; nas propriedades de 76-100 ha, os produtores identificam como dificuldade o custo de produção.
        Nesse sentido, Padilha Junior (2010) destaca que o ato de comercializar não pode se resumir apenas à venda da produção em determinado mercado, pois deve ser considerada também  como processo contínuo e organizado, a fim de agregar valor.
        No detalhamento dos dados da pesquisa, observa-se que metade das propriedades (53%) possuem a renda vinda exclusivamente da atividade leiteira, outros produtores (26%), além da atividade leiteira, trabalham na cidade, já outra parcela menor de produtores (7%), além da atividade leiteira, vendem outros produtos, trabalham com empreitas ou no vizinho.
        Existem também os produtores que não comercializam o leite com frequência, mas vendem seus derivados, alimentando o comércio de queijos, manteiga e requeijão, por exemplo. São poucos os produtores que comercializam outros produtos além do leite ou que trabalham com os vizinhos para complementar a renda. Isso ocorre porque, em grande parte, o pequeno produtor ainda se utiliza da ordenha manual em sua propriedade e, em decorrência dessa rotina extenuante, nem sempre consegue forças para lidar com outras formas de produção.
        Com base no conjunto de dados e informações ao longo do tópico, foi possível traçar o perfil do produtor da microrregião de Iporá. Em sua maioria, esses indivíduos agregam pequenas parcelas de terra que são destinadas ao manejo do gado leiteiro. Poucos são os que investem no melhoramento genético animal, preferindo adquirir matrizes já prontas para a produção.
        As conclusões a seguir destacam a importância acerca desta pesquisa no contexto científico e social.
 

Conclusões 

A realização desta pesquisa buscou contribuir para a ampliação e circulação de informações sobre a atividade e o sistema de produção de leite na microrregião de Iporá – GO, visando mostrar as transformações e suas consequências nas atividades rurais.
        A partir do desenvolvimento do estudo e dos dados obtidos, é possível afirmar que o propósito de analisar o impacto da atividade leiteira na vida socioeconômica dos produtores da microrregião de Iporá – GO foi alcançado, visto que eles se colocaram à disposição para participar da pesquisa e de todo o roteiro da entrevista. Da mesma forma, é importante destacar que os resultados obtidos atenderam ao objetivo do estudo.
        A realização da pesquisa trouxe a perspectiva de que não há grandes investimentos na infraestrutura das propriedades, sendo que a maioria possui galpão e currais construídos de forma simples. Os produtores pesquisados possuem suas propriedades localizadas próximas às cidades, e a maior incidência da atividade leiteira visa ao aumento da renda. Mesmo com os avanços tecnológicos, o uso de ordenha mecânica não é uma realidade comum à maioria dos produtores, o que implica perdas relativas à falta de garantia da qualidade do leite comercializado.
        Concomitante ao uso das diversas tecnologias, quando se avalia que o produtor necessita ser competitivo e primar por qualidade no mercado, a microrregião de Iporá deve estudar soluções que estimulem o desenvolvimento da atividade leiteira com a implantação de tecnologias que contribuam para a qualidade de vida do trabalhador rural. Talvez o aprimoramento de sistema de ordenha móvel que atenda mais de um rebanho por dia, por exemplo. Ou concentrar a atividade de ordenha dos diversos rebanhos em uma única propriedade e as demais fases da atividade em outras fazendas da região, em que cada produtor do grupo assume uma tarefa do processo produtivo.
        As dificuldades enfrentadas pelos produtores justificam o fato de que a metade das propriedades rurais investigadas se mantém apenas com a comercialização do leite. Para uma considerável parcela, há a necessidade de agregar a produção nas propriedades a outras atividades exercidas na fazenda ou na cidade, como forma de complementar os ganhos e equilibrar os gastos com o manejo.
        No desenvolvimento da pesquisa houve desafios e limitações em virtude do difícil acesso a algumas propriedades rurais. Conclui-se com o desenvolvimento do presente estudo que a cadeia produtiva do leite é uma das mais importantes na geração de renda para pequenos, médios e grandes produtores da microrregião de Iporá. A partir da análise dos dados obtidos por meio da pesquisa de campo, cujos sujeitos foram os produtores de leite, foi possível verificar que a produção ainda pertence ao modelo de agricultura familiar de subsistência, sendo que muitas propriedades a organizam mediante as estações do ano, ou seja, em época chuvosa se dedicam mais à comercialização do leite e quando as chuvas diminuem, agregam outras produções à do leite.

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Rondinelli Tosta Morais

Mestre em Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Estadual de Goiás - UEG. Possui Graduação em Gestão de Recursos Humanos e Tecnólogo em Agronegócio, ambos pela Universidade Paulista (2017). Especialização em Docência do Ensino Superior. Curso Técnico em Sistemas da Informação pelo Centro Federal de Educação Tecnológica - CEFET de Urutaí e Técnico Agrícola com Habilitação em Agroindústria pela Escola Agrotécnica Federal de Urutaí.

E-mail: rondinelli.tosta@ifgoiano.edu.br

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3858926825061623

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7954-7601

Rodrigo Balduino Soares Neves

Doutor em Ciência Animal pela Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (EVZ-UFG). Professor do curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e do Programa de Pós-Graduação em Produção Animal e Forragicultura (UEG).

E-mail: rodrigo.neves@ueg.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4342823005141964

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7769-2645

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 18, 1-30, e024001, jan./dez. 2024 • ISSN 1984-9834