Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 14, 1-29, e020010, jan./dez. 2020 • ISSN 1984-9834
Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto
O trabalho das mulheres costureiras na zona rural do Agreste pernambucano
The work of seamstresses in the rural area of Pernambuco
Renata Milanês[1]
Resumo O presente artigo tem como objetivo principal analisar as relações sociais de trabalho e de gênero, a partir da inserção das mulheres camponesas na produção de roupas no Polo de Confecções do Agreste pernambucano. Privilegiando espacialmente os domicílios rurais, o texto oferece uma análise antropológica, através de um relato etnográfico, descrevendo as ações, os valores e as expectativas das pessoas entrevistadas. A discussão trazida aqui levou em conta: o aprendizado da costura, a terceirização, o ganho por produção, as longas jornadas, a relação com os “patrões”, o trabalho doméstico reprodutivo, o trabalho domiciliar produtivo e a independência financeira. O artigo revela que, embora a costura tenha se tornado uma importante fonte de renda para inúmeras mulheres camponesas, essa entrada feminina no mercado de trabalho veio acompanhada pela precarização, fazendo com que as mulheres sejam as mais prejudicadas pelos processos de informalidade e flexibilidade que ocorrem na região. Palavras-chave: Costura; Trabalho Domiciliar; Trabalho Doméstico; Relações de Trabalho e Gênero; Polo de Confecções do Agreste pernambucano. Abstract The present article aims to analyze the social relations of work and gender, through the insertion of the peasant women in clothing production in the Textile Pole of Pernambuco. Privileging rural households, the text seeks to offer an anthropological analysis with an ethnographic report, describing the individual or collective actions and the values or expectations of the interviewed. The text connects a discussion that will consider: the learning of sewing, the consequences of outsourcing, the long working hours, the relationship with the “bosses”, the reproductive domestic work, the productive homework, and financial independence. The article reveals that, although sewing has become an essential source of income for peasant women, the female entry into the labor market was followed by precariousness, making women the most affected by the informality and flexibility processes that have been occurring in the region. Keywords: Seam; Homework; Housework; Labor and Gender Relations; Textile Pole of Pernambuco. | Submissão: Aceite: Publicação: |
Citação sugerida MILANÊS, Renata. O trabalho das mulheres costureiras na zona rural do Agreste pernambucano. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 14, p. 1-29, e020010, jan./dez. 2020. Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). |
Introdução
No Agreste do estado de Pernambuco existe um Polo de Confecções de roupas, que teve origem em meados dos anos 1950, através da “Feira da Sulanca” e, atualmente, consiste em um dos mais importantes aglomerados econômicos existentes na Região Nordeste, sendo considerado o segundo maior polo têxtil do Brasil. Embora englobe outras cidades e povoados rurais, o referido mercado se originou na cidade de Santa Cruz do Capibaribe que, por estar localizada em uma região de transição, foi historicamente marcada pelas feiras livres. Dessa forma, o desenvolvimento comercial da cidade também foi impulsionado pelo estabelecimento de grandes centros comerciais de municípios vizinhos, como Campina Grande (PB) e Caruaru (PE).
O momento inicial da atividade de confecções de roupas na região, se caracteriza pela integração econômica do Agreste com as feiras locais e com a capital do estado pernambucano, nas quais alguns comerciantes se deslocavam para Recife, levando galinhas, carvão, queijo, entre outros produtos locais para vender, e retornavam com retalhos de tecidos para suas casas (LIRA, 2006).
Conforme aponta Campello (1983), os retalhos de tecido eram obtidos em Recife, inicialmente nas fábricas têxteis de Camaragibe, Torre, Macaxeira, Othon e Paulista, e eram comercializados na feira livre de Santa Cruz do Capibaribe. Tais pedaços de tecido eram os restos e refugos de grandes fábricas têxteis, que eram descartados no lixo e recolhidos por esses comerciantes, que os vendiam a baixo custo aos moradores da região. Esses refugos começaram a ser transformados, por algumas mulheres do local, em colchas de retalho e, posteriormente, em peças de vestuário, como shorts infantis, saias, blusas e outras peças que eram mais facilmente moldadas e feitas com “emendados” de tecido.
Quando as peças estavam finalizadas, elas eram comercializadas em feiras. Primeiro nas feiras locais, e depois se expandiram para as feiras do sul do estado, e das cidades de estados vizinhos. Nas décadas seguintes, o sucesso na comercialização dos produtos têxteis fez com que tais atividades se estendessem, atraindo cada vez mais pessoas, trabalhos e demandas. Fato este, que pressionava também a busca por uma maior quantidade de tecidos para abastecer a produção, os quais, nos anos 1960 e 1970, começaram a ser trazidos do Rio de Janeiro e de São Paulo, pelos caminhoneiros da época, e consistiam em retalhos e resíduos que “sobravam” das confecções do Brás. Isso explica a nomenclatura da “Sulanca” que, em uma de suas versões mais difundidas, significa a junção dos termos “sul” (local de onde os tecidos vinham) e “helanca” (tipo de tecido utilizado para a fabricação das peças) (CAMPELLO, 1983).
No cerne do processo de formação desse mercado, o protagonismo feminino deve ser destacado, pois a “Sulanca” conseguiu ganhar força a partir das mulheres, pois elas foram as primeiras que se empregaram como costureiras, visando contribuir com a manutenção da reprodução do grupo familiar. Na época em que a “Sulanca” surgiu, algumas mulheres da região tinham uma máquina em casa e geralmente costuravam para os membros de sua família vestimentas de uso pessoal, sobretudo as que moravam na zona rural. Com o passar do tempo e a expansão comercial, as atividades da costura, anteriormente exercidas no âmbito do lar e de forma gratuita, foram apropriadas pela confecção e pelo comércio das feiras locais, abrindo espaço para a mão de obra feminina (BEZERRA, 2011).
Diante da expansão dessas atividades e da crescente procura por mão de obra, algumas mulheres da zona rural, que não tinham máquinas de costura, começaram a recebê-las emprestadas de algumas confeccionistas da cidade para realizarem o ofício da costura. De acordo com Bezerra (2011), essa dinâmica também ajudou a impulsionar o trabalho domiciliar local, na cidade e no campo, tendo na figura feminina o seu principal agente produtivo.
As décadas de 1980 e 1990 constituíram o auge do desenvolvimento produtivo e comercial da região. Além do aumento populacional, o crescimento econômico do mercado ganhou destaque e foi cada vez mais impulsionado pela fabricação de roupas, tornando-se necessário aumentar e ampliar demasiadamente a produção, pois semanalmente a região passou a receber muitos compradores de todos os lugares do país (CAMPELLO, 1983; LYRA, 2005). A partir dos anos 2000, a “Feira da Sulanca” passou a se chamar “Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco”. As atividades produtivas e comerciais deste espaço estão instaladas principalmente nas cidades de Santa Cruz, Toritama e Caruaru.
Por se localizar em um local que faz parte do Polígono das Secas, considerada a região mais seca do país, onde as chuvas são irregulares e escassas, possuindo um índice pluviométrico anual de aproximadamente 500 mm, é importante ressaltar que, as dificuldades crescentes, que sempre afetaram a agricultura na região do Agreste, acabaram se impondo historicamente como obstáculos para a manutenção das famílias. Nesse sentido, o crescimento do setor de confecções acabou estimulando outros arranjos na lógica de reprodução social, pois a pobreza, a escassez de terras e a falta de chuvas nunca permitiram que os pequenos agricultores pudessem se dedicar apenas à produção agrícola. Semelhante ao caso do Brejo paraibano analisado por Garcia Jr. (1989) no Agreste Pernambucano, a prática da combinação das atividades agrícolas com não agrícolas não corresponde a um fenômeno particular, que é estranho à lógica de reprodução social camponesa local, mas ao contrário, foi e é, desde sempre, um dos múltiplos mecanismos que são acionados para complementar a renda das famílias camponesas estudadas.
Diante desse contexto, a atividade da costura foi se consolidando ao longo do tempo e revitalizando as formas de produção e de reprodução da força de trabalho, que combinaria a atividade da costura com a atividade agrícola, se configurando assim o que se tem designado como fenômeno da pluriatividade, tal como sugere Mattei (2007). Dessa forma, no caso do Polo, a emergência da pluriatividade se destaca, mediante o esgotamento de possibilidades agrícolas na região.
Para Schneider (2003), a noção de pluriatividade, embora seja bastante genérica, pode ser definida resumidamente como a combinação de duas ou mais atividades realizadas pelos camponeses, sendo uma delas a agricultura. O autor aponta que a pluriatividade não é um acontecimento marginal ou transitório confinado a determinadas situações, como se pode supor, mas também não representa um processo com tendência à generalização para todas as áreas rurais existentes.
Nesse sentido, em acordo com Wanderley (1998), acredita-se que a pluriatividade pode representar um processo de diversificação ocupacional e produtiva da população rural, provavelmente relacionada com o crescimento da mercantilização econômica e social, pois muitas vezes, ao dispor de poucos recursos e de restrições para potencializar a força produtiva da sua unidade doméstica, o trabalho não agrícola se torna uma “necessidade estrutural” (WANDERLEY, 1998). Portanto, em meio a um cenário no qual a atividade agrícola não tem a capacidade de prosperar, o esforço da família camponesa se apresenta no sentido de buscar outras formas de renda, se submetendo e se adaptando a uma economia que muitas vezes “se aproveita de sua fraca mobilidade profissional” (TEPICHT, 1973, p. 26), tal como tem ocorrido no Agreste pernambucano.
No que diz respeito à entrada dos camponeses no mercado de trabalho do Polo, percebe-se que as comunidades rurais mais próximas dos centros urbanos de Santa Cruz, Toritama e Caruaru acabaram sendo absorvidas mais intensamente nas atividades de confecções de roupas, do que as comunidades rurais que ficam mais distantes geograficamente destes municípios. Isso acontece porque fica mais “fácil” e mais “barato” para os contratantes levar o tecido que vai ser costurado, o que favorece a logística.
Há que se considerar, ainda, que antigamente as pessoas migravam dos sítios para trabalhar na cidade. Porém, atualmente, grande parte do que sustenta a produção do Polo se concentra no trabalho realizado nas zonas rurais. Isso pode ser explicado, porque como a atividade da costura permite que o trabalho seja realizado em domicílio, houve uma diminuição da necessidade desse deslocamento, o que, por sua vez, acarretou uma grande concentração da produção sendo realizada nas áreas rurais e periurbanas, não só do Agreste pernambucano, mas até mesmo de estados vizinhos, como Paraíba e Rio Grande do Norte.
Destarte, a separação do processo de trabalho que ocorre no caso do Polo, terceiriza e divide a confecção das peças para que sejam feitas em vários locais diferentes. Antes, no surgimento da “Sulanca”, a produção da peça inteira era feita apenas por uma pessoa, agora, em virtude da produção em larga escala, os trabalhadores são contratados por empresas de médio e grande porte, para desenvolver apenas algumas tarefas específicas, não tendo uma visão da peça totalmente finalizada. Uma das principais justificativas dos empreendedores para essa necessidade é o ato de simplificar o processo produtivo, reduzir as responsabilidades, os custos e se desassociar totalmente de qualquer vínculo empregatício. O preço da mão de obra na cidade é mais alto e, portanto, eles pagam um valor inferior aos sitiantes do entorno do Polo, para realizarem as atividades de montagem das peças. Além disso, os riscos de fiscalizações ou de multas diante das condições de trabalho também são bem menores na zona rural.
Se para os empreendedores, a terceirização da mão de obra se justifica pelos aspectos citados anteriormente, do ponto de vista das costureiras, a possibilidade de trabalhar em casa, em geral, aparece no discurso das entrevistadas como “um trabalho mais livre”, por ser exercido no lar, “sem a presença de patrões” para lhes ditarem ordens. Elas destacam ainda que, por morarem na zona rural, o emprego externo, na cidade, representaria um esforço, que implicaria muitas dificuldades de deslocamento e, por isso, não é referenciado positivamente pelas trabalhadoras. Todavia, essa “liberdade profissional é contraditória”, nos termos de Lima (2009), pois acentua e “naturaliza” algumas consequências, tais como: a perpetuação da jornada de trabalho indefinida, ultrapassando as horas estipuladas socialmente para a realização do trabalho profissional, a mistura dos papéis reprodutivos com os produtivos[2], o envolvimento de crianças e idosos para “ajudarem” a atender as demandas solicitadas no tempo estipulado. Além do mais, mesmo não estando presentes fisicamente, os “patrões” continuam ditando ordens, seja por telefone, seja por outros meios, e essa intimidação constante acaba gerando um profundo estresse entre as trabalhadoras em razão das consecutivas cobranças pelas mercadorias.
Além desses fatores, é importante ressaltar, ainda, que embora a costura incorpore alguns homens na atualidade (MILANÊS, 2020), para Abreu e Sorj (1993), uma das características mais marcantes do trabalho domiciliar[3] contemporâneo é o fato de esta ser uma atividade essencialmente feminina em todas as partes do mundo. Isso ocorre, porque essa forma de trabalho possibilita que as empresas utilizem “fontes de mão de obra mais baratas, empregando mulheres presas ao lar por compromissos familiares” (ABREU; SORJ, 1993, p. 13).
No que tange à flexibilização do trabalho, Krein e Castro (2017) observaram que este fenômeno também apresenta um viés de gênero muito demarcado, pois tanto facilita a inserção das mulheres no mercado de trabalho, reforçando e naturalizando a responsabilidade de conciliarem trabalho e família, como legitima as formas flexíveis de contratação, “que tendem a constituir um mercado de trabalho mais precário, de maior insegurança e menor proteção social” (KREIN; CASTRO, 2017, p. 122).
No universo empírico do agreste de Pernambuco, é comum a existência de microunidades de produção familiares informais por toda parte, normalmente instaladas nas próprias residências dos trabalhadores (misturando-se utensílios domésticos, equipamentos industriais e matérias-primas), nas formas de fabricos e facções. Nas facções e fabricos, o processo produtivo geralmente é estruturado em salas, garagens, varandas ou em outros cômodos da casa da pessoa que costura. Estes espaços são na maioria das vezes escuros, sujos, mal ventilados, abarrotados de tecidos, linhas e máquinas ruidosas, sem contar com qualquer dispositivo de segurança. Além do mais, o espaço do lar acaba coexistindo com máquinas, equipamentos e tecidos, fazendo com que a própria casa se torne uma extensão da fábrica. Vale ressaltar que, quando o trabalho é realizado no ambiente doméstico, é normal que outros membros da família sejam incorporados às atividades, como crianças e idosos.
Diante desse cenário, convém pontuar, que os dados que orientam as reflexões deste artigo fazem parte da minha dissertação de Mestrado realizada em 2015 no CPDA-UFRRJ. A pesquisa de campo que embasa as discussões trazidas aqui foi realizada na cidade de Santa Cruz do Capibaribe e em três comunidades rurais da região (Vila do Algodão, Sítio Situação do Algodão e Assentamento Nova Esperança). Além das conversas informais, foram realizadas trinta entrevistas[4], com costureiras, agricultores, trabalhadores do Polo, historiadores e escritores de livros sobre o município.
Este artigo, por sua vez, representa uma etnografia e procura oferecer uma análise da realidade sob um ponto de vista antropológico, a partir das ações individuais ou coletivas e dos valores ou expectativas das mulheres da zona rural que moram e trabalham nas suas próprias residências. Foi, portanto, através das experiências, narrativas, trajetórias e das categorias de pensamento das costureiras e/ou agricultoras, que se buscou compreender as representações acerca dos processos de trabalho, da sua prática econômica e das suas vidas.
O aprendizado da costura e a aquisição da primeira máquina
O desenvolvimento das atividades de confecções têxteis no Polo sempre foi calcado no binômio máquina de costura/costureira. Para Souza (2012), um dos elementos especiais do Polo de Pernambuco é a “relativa facilidade” com que as pessoas, através de inúmeras estratégias, conseguem adquirir o próprio meio de produção e montar suas facções. A aquisição da primeira máquina marca, muitas vezes, um ponto de partida fundamental na trajetória de muitas famílias, pois na realidade local isso representa uma “garantia” do trabalho por conta própria (BEZERRA, 2011). Portanto, para entender a inserção das mulheres nascidas na zona rural do Agreste de Pernambuco, no mundo das confecções, é necessário explorar suas trajetórias, no intuito de observar o momento em que aprenderam a costurar e como adquiriram sua primeira máquina.
Diferente de outros Polos têxteis brasileiros, como o de Cianorte, no estado do Paraná, analisado por Lima (2009), o de Petrópolis (RJ), examinado por Rocha (2013), ou o de Friburgo (RJ), estudado por Carneiro (2006), no Polo de Confecções pernambucano, a atividade da costura começou e se manteve por algum tempo como um “saber” feminino, que era utilizado no seio do lar pelas mulheres da região, e só depois passou a se configurar um treinamento profissional voltado para o mercado. Nesse sentido, a costura no Agreste pernambucano (como é comum nas zonas rurais) primeiro apareceu como uma atividade doméstica das esposas e mães, para só depois ser incorporada como uma fonte de renda, como algo que pode ser vendido “para fora” dos sítios e, por esses motivos, passou a ser vista também como uma profissão.
Conforme aponta Espírito Santo (2013, p. 190), a história da Sulanca “acompanha a tradicional divisão sexual do trabalho associada à tecelagem e ao vestuário”, que são historicamente dois setores de exploração da mão de obra feminina. Além disso, para o autor, no contexto pernambucano, em particular, “a costura artesanal de roupas compreendia no passado parte das tarefas propriamente domésticas associadas à mulher” (p. 190). Cabral (2007) também destaca que a mulher, antes mesmo de receber a educação formal, aprende algumas tarefas que, pela cultura local, lhes são impostas a título de “trabalho exclusivamente feminino”, como é o caso da costura, por exemplo.
Na Sulanca, tal como aponta Silva (2009, p. 120), o trabalho é considerado uma “transmissão de saberes” no qual o ofício é passado de geração para geração, ou ainda, como um meio de “adquirir valor e responsabilidade diante da sociedade”. Destarte, a atividade da costura na região envolve elementos muito interessantes, pois sua prática e seus ensinamentos fazem parte de um circuito de transmissão de experiências baseadas em uma sabedoria coletiva, que vem sendo compartilhada e ensinada por membros da família ou por relações de vizinhança e amizade, ainda na infância. O ato de costurar envolve o saber fazer, o conhecimento e o controle sobre a realização da tarefa e também do tempo.
Semelhante ao que observou Garcia (1984), ao estudar as feiras do Brejo e do Agreste da Paraíba, no Polo de Pernambuco, a forma de aprendizado da profissão ocorre por um processo não institucionalizado. Por essa razão, os laços de aprendizagem são indispensáveis para que a mulher, desde a mais tenra idade, aprenda e domine tal atividade. Como exemplo, convém ressaltar que nenhuma dentre as mulheres entrevistadas fez cursos técnicos de corte/costura, ao contrário, aprenderam o ofício por intermédio de seus parentes, amigos ou vizinhos, como é o caso de Antônia, que aprendeu a costurar com a irmã, quando tinha 8 anos de idade. Ela afirma ter quebrado muitas agulhas nos dedos e se machucado várias vezes até aprender a costurar, devido a sua idade, pois era tão pequena, que não conseguia nem alcançar o pé embaixo na máquina.
Lourdes, de 78 anos, também relembra que costura desde a infância. O fato de ter a habilidade de costurar manualmente, mas não possuir uma máquina, foi observado pelo seu avô, que lhe deu um filhote de porco para que ela, posteriormente, utilizasse o animal para investir na compra do seu instrumento de trabalho. Lourdes, por sua vez, criou a porca e, quando esta já estava grande, acabou gerando nove “bacorinhos”. Aos 11 anos de idade, com a venda dos nove porquinhos, comprou sua primeira máquina de costura, que “era daquelas que só costurava rodando na mão”, e, a partir daí, ficou costurando até pouco tempo atrás, e ganhou a vida com isso.
É bastante comum encontrar histórias semelhantes à de Lourdes, nas quais as mulheres, sobretudo as costureiras de idade mais avançada, conseguiram ter acesso à primeira máquina de costura, por meio de recursos ou investimentos oriundos da agricultura e da pecuária, pois era bastante recorrente a prática da criação e a venda de algum animal destinado exclusivamente para a compra deste bem. Em outros casos, a máquina de costura representava também um tipo de herança que era transmitida de avós e mães para suas netas ou filhas.
A aquisição da primeira máquina também pode demarcar uma diferença geracional, pois através de uma síntese das histórias relatadas é possível perceber que, enquanto as mais idosas começaram exercendo este ofício em máquinas manuais ou de pedais, as mais jovens já aprenderam a costurar nas industriais. No cerne dessas transformações produtivas, que foram ocorrendo na medida em que o Polo se modernizava, é interessante notar que algumas costureiras já adaptadas a costurarem em máquinas de mão ou de pedal, nunca aprenderam a costurar nas máquinas de motor industriais. Por não conseguirem acompanhar esse processo de modernização na produção, consequentemente, algumas delas foram excluídas do mercado de trabalho, em virtude de suas altas demandas.
Para entender como esse processo de aprendizado funcionava, durante a pesquisa de campo, pude observar algumas meninas que estavam aprendendo a costurar. No início, as pessoas que nunca tiveram experiências anteriores com as máquinas começam traçando uma costura em linha reta, em pequenos pedaços de pano e em restos de tecido, para pegarem o ritmo do motor e acompanharem a velocidade da máquina. Depois, elas emendam algumas partes de retalho e, se tiverem um bom desempenho, começam a costurar as peças de roupas. Na maioria das vezes, esse método de aprendizado é feito em apenas um ou dois dias, pois muitas conseguem dominar rapidamente as funções e dão início ao trabalho “para ganhar dinheiro”. Quase todos os processos de contratação seguem esse padrão, no sentido de o “patrão” fornecer uma de suas peças para observar a pessoa costurando e constatar se ela desempenha a função de maneira correta. Não existem muitos requisitos, nem distintos parâmetros de qualificação, pois se sair bem nesse “teste” é o passo fundamental para a garantia do trabalho.
Localmente, os que as contratam são chamados pelas costureiras de “patrões” ou “donos das peças”. Geralmente, estes são donos de marcas de roupas que moram em Santa Cruz, em Toritama ou Caruaru. Isso não implica dizer que todos estão no mesmo patamar econômico ou industrial, pois os contratantes podem possuir fábricas, fabricos, ambos de grande ou médio porte. Alguns terceirizam a produção, para que sejam realizadas apenas algumas etapas fora dos seus estabelecimentos, outros subdividem todos os processos produtivos e já recebem as peças prontas. Todavia, todos utilizam a terceirização visando reduzir o custo da mão de obra e também o preço final das mercadorias.
Ao dividir a produção em microunidades, terceirizando os serviços, os donos das confecções diminuem os custos das mercadorias e se “livram” de muitos direitos sociais que deveriam ser garantidos por lei, caso os contratos fossem formalizados. Destarte, o ônus dessas responsabilidades é transferido para as trabalhadoras, que ficam encarregadas de zelar pela própria saúde e segurança. Além disso, a informalidade, ao fazer uso da intensificação do trabalho (da produção em série em grandes quantidades), ao sonegar impostos fiscais e não se responsabilizar pelos direitos trabalhistas, o dono acaba garantindo o preço baixo das mercadorias.
As pessoas contratadas para a confecção de roupas são predominantemente mulheres, mas isso não desconsidera o fato de que vários homens também costuram atualmente. As faccionistas trabalham sozinhas, com a família ou subcontratam algumas poucas pessoas para que as auxiliem. Todas as facções visitadas se localizam na própria casa da pessoa que costura. Quando apenas um indivíduo exerce essa função, geralmente as máquinas ficam dispostas em cômodos como a cozinha, a sala ou o quarto, mas se a facção for do tipo familiar, ou se existirem mais de duas pessoas trabalhando, o ambiente da costura passa a se concentrar em salões, garagens, terraços ou “puxadinhos” que são construídos na frente ou no quintal das residências.
O processo de entrega dos tecidos e o circuito da confecção das peças quase não têm mudado ao longo do tempo. O padrão da entrega de tecidos (já cortados), de outros materiais (como linhas, zíper, botões, velcros, viés, elásticos) e o recolhimento das mercadorias (já prontas) continua sendo praticamente o mesmo, ocorrendo semanalmente ou quinzenalmente. O pagamento também é feito por semana ou quinzena, e depois que as mercadorias são entregues.
A relação de confiança entre o “patrão” e as costureiras continua se estabelecendo tal como era no passado, pois entregar as peças no prazo e com um grau de qualidade aprovado não só constrói elo amigável entre eles, como serve de parâmetro para que pessoas que realizam esse tipo trabalho sejam referenciadas como melhores e mais responsáveis do que as que não cumprem os prazos ou deixam a qualidade dos produtos a desejar. De outro modo, se o trabalho for “bem-feito”, o indivíduo será conhecido por isso e terá mais facilidade de encontrar um novo “patrão”. Abreu e Sorj (1993) descobriram algo semelhante ao analisarem o trabalho das costureiras domiciliares das indústrias de confecções do Rio de Janeiro, pois, segundo as autoras, ser uma boa costureira “é antes de tudo uma virtude, um indicador do seu sucesso em realizar o papel social feminino” (ABREU; SORJ, 1993, p. 59).
Percebe-se, ainda, que as relações pessoais assumem um peso importante nessa dinâmica, uma vez que muitas pessoas também são contratadas por indicação de familiares ou vizinhos, e há ainda os casos nos quais as costureiras e costureiros são subcontratadas(os) por fábricas ou fabricos para os quais já trabalharam na cidade. De maneira semelhante ao que ocorre no Polo, Abreu e Sorj (1993), ao estudarem as costureiras do Rio de Janeiro, observaram que as relações interpessoais de parentesco, amizade e vizinhança são fundamentais para que as mulheres tenham acesso ao emprego.
Carneiro (2006) notou situação análoga ao analisar as oficinas têxteis em Nova Friburgo (RJ). A autora percebeu que categorias de “ajuda”, “favor” e “solidariedade” articulam regras sociais próprias do sistema de patronagem, nas quais se misturam relações verticalizadas e hierarquizadas como as do favor e da dívida moral. Assim como em Nova Friburgo, essa “dívida moral”, que também está presente no Agreste pernambucano, é que sustenta os laços de reciprocidade generalizada. E a “ajuda”, como demonstra Carneiro (2006), pode, em alguns casos, representar uma extensa jornada de trabalho, que inclui até os finais de semana, tudo para não romper o elo com o “patrão”.
‘O patrão quer botar moral se a máquina for dele’
Na região pesquisada, um dos maiores desejos das mulheres é trabalhar para poder comprar uma máquina de costura e montar a própria facção. Dentre as que já trabalharam em fábricas ou fabricos na cidade, essa vontade se impõe como uma necessidade de “deixar de trabalhar para os outros” e poder trabalhar em casa, “sem patrão”. Essa importância dada ao trabalho e à autogestão também é compartilhada entre as gerações. Muitas das pessoas entrevistadas, que trabalharam na cidade, afirmam que quando conseguem “juntar um dinheirinho”, saem dos seus empregos e montam facções nas suas residências, pois o ganho é melhor, elas não dependem de ninguém e o horário são elas que fazem. Essa configuração é bastante semelhante ao exercício do trabalho agrícola, porque a profissão de agricultor, para os que trabalham e costuram (sobretudo para os homens), também é referenciada por uma ideologia que expressa símbolos e práticas que valorizam o modo de vida camponês, denotando características e representações que se aproximam da ideia da liberdade e independência pelo fato de não ter um patrão e de tomar as próprias decisões no ambiente de trabalho (MILANÊS, 2020).
Algo muito interessante, revelado pela pesquisa de campo, diz respeito ao fato de que grande parte das costureiras não utiliza máquinas próprias, mas sim as que o “patrão” empresta. Isso acontece, porque existem máquinas de costura que chegam a custar de R$ 5.000,00 até R$ 12.000,00. Por esse fator, essas pessoas, sobretudo as que estão iniciando no ramo das facções, se já não tiverem uma poupança, não têm condições de arcar com os altos custos do instrumento de trabalho.
Esse fato distingue o Polo pernambucano do caso observado por Rocha (2013) que, ao estudar as estratégias de vida das costureiras de Petrópolis (RJ), verificou que os donos das confecções que forneciam as peças na região fluminense, por vezes emprestavam em dinheiro o valor da máquina que a costureira não tinha para ela fazer a compra, ou subtraíam, em prestações, o custo de uma máquina da remuneração que eles deveriam pagar pelos serviços que lhes eram prestados. De maneira diferente, em Pernambuco, os “patrões” deixam as suas máquinas com as costureiras, sem cobrar por isso. Entretanto, se, por um lado, o fato de os “patrões” disponibilizarem as máquinas permite que as pessoas que não têm acesso a esse bem não fiquem fora do mercado de trabalho, por outro, essa configuração gera uma relação de dependência muito forte, pois a partir do momento que o patrão fornece uma máquina para que a pessoa trabalhe, ela só pode costurar para ele, caso contrário, muitos conflitos podem surgir.
Destarte, as reclamações de quem costura nas máquinas dos “patrões” são constantes, porque muitas trabalhadoras se sentem “presas” e são obrigadas a costurar só para quem lhes forneceu o instrumento de produção. Essa dívida moral, caso seja quebrada, pode gerar sérios embates, resultando até mesmo na quebra do “contrato” de trabalho.
A costureira Juliana, por exemplo, aponta que quando os patrões levam as máquinas, “a gente só pode costurar para eles, porque o maquinário é deles”. Segundo ela, se alguém quiser “pegar” peças de outras pessoas, tem que ser dono das máquinas e costurar nas que possui e não nas do patrão. Além disso, ela justifica dizendo que as máquinas nas quais trabalham são caras e custam cerca de R$ 3.000,00, R$ 5.000,00. Então, caso estejam costurando peças de outra pessoa e a máquina quebrar, os trabalhadores deverão arcar com os prejuízos do conserto. Juliana resume essa situação, dizendo que: “todos eles ficam com raiva da gente, se ver a gente costurando outras peças na máquina dele, muita gente costura escondido, porque não pode, é uma regra!”.
Essa configuração específica demonstra que, mesmo estando na casa da costureira, a máquina continua sendo propriedade exclusiva do “patrão”, e isso implica que se costure apenas para quem lhe subsidiou o bem. Esse acordo, por sua vez, gera uma dependência moral e financeira que, nas palavras das entrevistadas, pode ser traduzida como uma forma de “aprisionamento”, que as impede de ter um ganho maior, pois se a costureira utiliza as máquinas do “patrão”, tem que costurar no preço que ele indicar e também não pode trabalhar para mais pessoas e complementar a renda. Por essa razão, muitas delas argumentam que ter o próprio instrumento de trabalho faz com que se sintam mais “livres”.
‘Quem trabalha com produção, tem que fazer muito, porque aí você ganha mais’
Tal como ressaltam Leite, Silva e Guimarães (2017, p. 52), o regime de trabalho em confecções que atuam dentro do mercado do fast fashion[5] se caracteriza por exigir agilidade e flexibilidade de resposta, “além de volume variável de produção, aprofundando a prática de utilização de uma força de trabalho periférica fora da fábrica, para dar conta das constantes modificações de modelos e volumes em prazos curtos”.
No cerne desse procedimento, a dimensão e a difícil mensuração das configurações da produção de roupas no Polo também são expressas através dos processos de trabalho realizados, que são totalmente heterogêneos. O tamanho das facções, a quantidade de peças, as etapas da costura que são realizadas e as remunerações não seguem padrões fixos, mas são elementos que variam diante de cada experiência particular. Por exemplo, existem algumas costureiras que confeccionam a peça toda, outras fazem apenas uma parte da produção, outras fazem duas partes e assim por diante. A amplitude, as redes que se formam e a combinação das tarefas realizadas são bastante complicadas, o que impede que sejam entendidas à primeira vista.
Carmem, por exemplo, tinha uma facção na sala da sua casa e trabalhava sozinha, costurando em máquina própria overlock. Na época da entrevista, ela realizava três etapas do processo produtivo de calcinhas (colocar o elástico, pregar a renda e aplicar o fundo) e ganhava com isso R$ 0,05 por peça. Em uma hora de trabalho, se ela confeccionasse 30 peças (ou 30 partes do processo produtivo), receberia apenas R$ 1,50. Cabe relembrar, que ela não as finalizava por completo, mas sua produtividade também variava em função das outras atividades que exercia, pois ela ainda lavava roupas por encomenda, para ganhar um “dinheiro extra”. Carmem me mostrou o caderno em que fazia as anotações de quanto produzia e de quanto deveria receber. Em uma semana de “baixa” produtividade, ela costurou 1.680 peças e recebeu R$ 84,00 pelo seu trabalho. Ela não sabia ao certo quanto ganhava, pois, como se pode perceber, os ganhos não são fixos e variam conforme a produção e a demanda, mas afirmou que nunca chegou a ganhar a quantia de um salário mínimo por mês, que em 2014, época da pesquisa, equivalia a R$ 724,00.
Algumas moedas são geralmente o preço que a maioria das costureiras recebem por peça ou por cada etapa produtiva das peças que costuram, e é de centavo em centavo que essas mulheres e famílias do Agreste pernambucano vão construindo suas vidas ao longo dos anos. Portanto, diante das situações que encontrei em campo, é de total importância expor, a seguir, o conteúdo, as formas de trabalho, as estruturas das facções, os processos produtivos e também a remuneração de algumas costureiras, individualmente, para que se possa entender melhor o contexto em que estão enredadas as trabalhadoras do Agreste pernambucano.
Exemplo 1: Inês é dona da maior facção do algodão. Ela é contratada por duas fábricas de Santa Cruz do Capibaribe e subcontrata mais sete pessoas para trabalharem com ela na sua facção. Os donos das fábricas para as quais ela trabalha levam para seu estabelecimento cerca de 3.000 peças semanalmente, se a “feira tiver boa”, e, quinzenalmente, se a “feira tiver fraca”. Ela confecciona camisas e shorts infantis e realiza todos os processos produtivos, de forma que as mercadorias já saem da sua facção prontas para a venda. Por cada peça produzida, ela ganha R$ 0,50 ou R$ 1,00, e o pagamento sempre é feito quando o “patrão” vai buscar as mercadorias. Para dar conta da demanda, ela e seus funcionários fazem “serão” duas vezes na semana, ou seja, trabalham de manhã, de tarde e de noite.
Para calcular seus ganhos e fazer o pagamento dos seus funcionários, Inês afirma que faz o balanço de quantas peças saíram na quinzena e, depois disso, verifica quanto pode pagá-los. Ela tenta pagar aos(às) costureiros(as) por semana, mas isso depende da produção e do “esforço” deles, pois se fizerem “serão” ganham mais. Depois que faz os cálculos e remunera seus funcionários, o que sobra fica para ela, para pagar as despesas do seu salão de confecções e também os gastos pessoais.
Embora Inês receba por peça, ela não paga aos seus funcionários por peça, mas sim um valor que depende da produção quinzenal e que não é fixo, uma vez que varia conforme as demandas. Ela não quis me falar qual o rendimento final, ou quanto ela paga às pessoas que trabalham com ela, mas, tendo em vista o valor que as fábricas pagam por cada peça produzida, a quantidade de funcionários do seu estabelecimento e as despesas com energia, supõe-se que a remuneração delas não deve ser muito alta.
Exemplo 2: A facção de Socorro é constituída apenas por ela, que costura na cozinha da sua casa, com máquina própria. Na época da pesquisa, ela estava trabalhando para três pessoas diferentes. Socorro contou que quando está fazendo apenas camisas sociais, consegue costurar e entregar, totalmente finalizadas, cerca de 80 peças por semana, recebendo R$ 2,00 por cada uma delas. Mas quando ela tem mais “serviço” e “rouba umas horinhas pra outras peças”, faz 50 ou 60 camisas, que podem somar R$ 100,00 ou R$ 120,00 na sua renda, por semana.
Paralelo às camisas sociais, Socorro faz alguns processos produtivos de shorts de jogador e afirma que prefere fazer “essas pecinhas pequenas do que as camisas, porque faz mais rápido e mesmo sendo pouquinho, a gente ganha mais”. Ela diz que tem semanas em que fecha os shorts e recebe R$ 0,10 por cada um, se sua produção for boa, e há dias em que começa a trabalhar de manhã e só para às 22 horas, e consegue fechar 600 shorts, ganhando R$ 60,00. Além de fazer as camisas por completo e fechar os shorts de jogador, ela também faz “abanhados”[6] em outros tipos de bermudas, e ganha R$ 0,05 por cada um. Quando estive na sua casa, consegui contar e cronometrar que, em duas horas, ela fez o “abanhado” de 80 shorts. Ou seja, nesse tempo de trabalho, ela fez 80 vezes o mesmo processo produtivo para ganhar apenas R$ 4,00.
A renda de Socorro, na época em que lhe entrevistei, era resultado da soma desses três trabalhos diferentes que ela realizava. Apenas as camisas sociais, ela faz por completo, mas já os shorts ela realiza somente uma das etapas do processo de produção. Além disso, cabe destacar, que seu rendimento é variável, porque como só um dos seus três contratos é “fixo”, em uma semana Socorro pode ter vários “patrões” e, na semana seguinte, pode ter apenas um, o que indica não só uma variabilidade de situações, mas também uma vulnerabilidade destas, diante das condições oferecidas pelo mercado. Socorro é uma das poucas costureiras que entrevistei que ainda trabalha na máquina de costura reta, pois “a reta dá mais trabalho e é mais devagar” e “as costureiras da cidade mesmo não gosta de costurar nela não, o povo não quer perder tempo com ela não”.
Exemplo 3: A facção de Nazaré é num cômodo construído na frente da sua casa, e lá trabalham ela, o marido e seu filho adolescente. Atualmente, Nazaré e seu filho costuram calcinhas, e seu marido, embora trabalhe no mesmo ambiente, já é subcontratado por outro “patrão”. De acordo com Nazaré, o dono das peças para o qual ela trabalha leva 4.000 peças por semana para serem fabricadas. Nazaré também entrega as peças todas prontas, mas é interessante perceber que, como ela mesmo aponta, “o fundo das calcinha eu já boto pra fora, eu pago outra pessoa, porque aqui não tenho como fazer, porque é só eu e meu menino pra dar conta, aí se a gente for empanar[7] não dá tempo e não faz nada”. Ela ganha R$ 0,20 do “dono”, por cada peça produzida e, dessa quantia, tira R$ 0,05 para pagar a pessoa que “empana” as calcinhas. Quando eu perguntei se no término de tudo ela acabava recebendo R$ 0,15 por peça produzida, Nazaré me surpreendeu ao falar que no final das contas só recebe R$ 0,10 de ganho por cada peça, como explica: “eu pago para empanar, pago para fechar e para tirar a linha. Meu outro filho fecha, aí eu pago R$ 0,04 a ele e a menina que tira a linha no final ganha R$ 0,01 por peça”.
Nazaré foi uma das primeiras costureiras que entrevistei. Através dela e, posteriormente, da convivência, das observações e das conversas informais, pude perceber que além das fábricas, fabricos e facções existem as facções das facções. Que são subcontratações das contratações, ou seja, as facções são contratadas para fazer um determinado produto, mas por conta das altas demandas, as costureiras faccionam mais ainda o processo produtivo e contratam terceiros para realizarem algumas etapas produtivas. Esse esquema de contratações seria basicamente assim: Fábricas ou Fabricos → Facções → Facções das Facções.
Na maioria das vezes, essa situação pode ocorrer quando as costureiras não têm tempo de fazer todos os processos de uma peça e ainda assim dar conta da alta demanda, como é o caso de Nazaré, ou quando elas não possuem uma máquina apropriada para realizar determinada função que a mercadoria requer. O que as duas circunstâncias têm em comum é o fato de as costureiras não abrirem mão de um serviço, por conta dos referidos motivos, e, em vez de deixarem passar uma oportunidade, preferirem terceirizar os processos que não conseguem ou não podem realizar por completo.
Exemplo 4: Outra situação que ilustra a existência do que eu estou chamando de “facções das facções” é o caso de João e de sua esposa, que atualmente estão confeccionando shorts tactel. As peças são levadas para sua residência já cortadas e eles realizam todos os processos da costura e também pregam botões, cadarços e empacotam as mercadorias, que já saem prontas para a comercialização. A facção deles é familiar, pois nela trabalha o casal costurando e seus dois filhos pequenos (um de 11 anos e outro de 8) fazendo outros processos como o corte de linha, a dobra e a embalagem das bermudas.
Quinzenalmente, o “dono das mercadorias” leva cerca de 1.500 peças para serem feitas e paga R$ 0,90 por unidade das peças totalmente finalizadas. A esposa de João fala, que para dar conta da demanda, eles “faccionam outras pessoas”, pois o velcro, o botão e o bolso são “pregados por outras pessoas”. Já ela e seu marido ficam mais “fechando e abainhando” os shorts. Ao comentar sobre seus rendimentos finais, ela conta que: “olhe, nós ganhamos R$ 0,90, é o preço fechado lá do dono. Aí o short fica para nós por uns R$ 0,70, depois de a gente tirar e pagar por fora ao povo que faz as outras coisas”.
Sobre o grande fracionamento no processo de trabalho, João expõe sua opinião e destaca sua preferência: “fazer só uma parte, a pessoa acha que é mais fácil, mas é melhor fazer uma peça toda, porque se tiver algum defeito é você quem faz”. Quando eu apontei que não havia entendido bem o que ele tinha dito, ele complementou sua fala e me explicou melhor: “é porque tem gente que é assim, eu começo a costurar uma calcinha, aí eu empano e outra pessoa bota o elástico. Só que se tiver alguma coisa mal botada, vão dizer que fui eu. Aí fica nessa jogada de culpa. Aí é melhor fazer tudo logo”.
O que João traz em sua fala é um problema típico e recorrente das inúmeras contratações e subcontratações, que muitas vezes existem para a formatação final de uma peça. Ao subdividir e fragmentar o trabalho em muitas unidades de produção diferentes, fica mais difícil ter total controle do processo de produção e também saber de onde veio o defeito da peça, caso alguma coisa dê errado. Além do mais, diante de tanta produção, dificilmente alguém vai querer assumir a responsabilidade e a falha, porque consertar uma peça “mal botada” implica ter que desmontá-la e refazê-la novamente, para entregá-la em perfeitas condições ao “patrão”.
Visando sintetizar a diversidade de situações com as quais me deparei durante a pesquisa, no quadro seguinte[8] estão dispostas informações que tive acesso, a respeito do tipo das peças que as costureiras produzem, quais as etapas que realizam, quanto recebem por peça e suas rendas semanais ou mensais.
Quadro 1 – Tipos de produção e rendimento das costureiras.
Nome | Tipo da peça que produz | Etapa do processo produtivo que realiza | Quanto recebe por peça ou processo produtivo | Renda semanal ou mensal |
Carmem | Calcinha | Três etapas | R$ 0,05 | +/- R$ 90,00 semana |
Inês | Camisa infantil | Todas as etapas | R$ 0,50 ou 1,00 | Não declarada |
Socorro | Camisa social masculina, shorts de nylon, bermuda tactel | Todas as etapas, empanamento, abainhados | R$ 2,00 R$ 0,10 R$ 0,05 | Não declarada |
Nazaré | Calcinhas | Todas as etapas | R$ 0,10 | R$ 400,00 semana |
Teresa | Bermuda tactel | Todas as etapas | R$ 0,70 | R$ 260,00 semana |
Salomé | Camisas femininas | Todas as etapas | R$ 2,00 | R$ 120,00 semana |
Ane | Camisas infantis | Empanamento | Não recebe por peça, mas por semana | R$ 70,00 semana |
Rosana | Camisa social feminina | Todas as etapas | R$ 2,50 | R$ 125,00 semana |
Antônia | Camisa feminina | Todas as etapas | Não recebe por peça, mas por semana | R$ 50,00 semana |
Carla | Camisa infantil | Abainhado | R$ 0,15 | R$ 150,00 semana |
Juliana | Camisa infantil | Todas as etapas | R$ 0,30 | R$ 300,00 semana |
Fonte: Elaborado pela autora.
O que se pode perceber através dos casos expostos e do quadro anterior é que apenas três, dentre as onze costureiras entrevistadas, conseguem receber um valor que ultrapasse o salário mínimo; as demais, em geral, recebem por mês menos de R$ 600,00. Apenas Juliana, Teresa e Nazaré declararam um rendimento mensal de cerca de R$ 1.200,00. No caso destas últimas, o que pode explicar essa “alta” renda, em comparação com a das demais, é que as três costureiras que ganham mais trabalham em família, com os maridos e filhos.
É importante ressaltar, todavia, que muitas vezes o preço que as costureiras recebem dos seus “patrões” por cada peça pode não corresponder ao valor total quando a mercadoria está finalizada, pois como foi dito anteriormente, quando elas faccionam mais ainda a produção, acabam pagando a terceiros para realizarem algumas etapas do processo produtivo. Portanto, no quadro anterior não levei em conta o valor pago pelos contratantes, mas o quanto elas recebem no final, depois de terem pago as despesas totais[9].
Os menores rendimentos mensais, de R$ 200,00 e de R$ 280,00, referem-se, geralmente, a quem é subcontratado para trabalhar nas facções e não recebe por peça, mas por semana, como é o caso de Ane e Antônia, uma vez que a primeira trabalha na facção de uma tia e, a segunda, trabalha na facção da filha. Ambas estão trabalhando no regime que eu denominei de “facções das facções”, e elas são também as que ganham menos por semana, diante das demais costureiras, o que implica dizer que quando as costureiras chamam outras pessoas para trabalharem para elas, pagam-lhes menos ainda.
Quase todas as costureiras recebem centavos pelas peças prontas ou pelos processos produtivos que realizam, apenas três delas recebem mais de R$ 1,00 pelas confecções, e isso pode ser explicado porque Socorro, Salomé e Rosana costuram na máquina reta, que são as mais “difíceis” e mais “lentas”. Por essa razão, o preço de R$ 2,00 ou R$ 2,50 foram os mais altos do quadro e se justificam pelo dispêndio de trabalho, que é maior e também por ser “raro” hoje em dia conseguir alguma costureira que queira trabalhar nesse tipo de máquina. Sem contar que, embora elas recebam mais por peça fabricada, costuram camisas sociais, que “dão muito trabalho para fazer”, e por isso, algumas vezes, não conseguem alcançar uma alta demanda de produção, justamente por demorarem mais tempo na confecção de cada peça.
Cabe destacar, que nesse regime de subcontratação informal, no qual o preço da remuneração é definido pela quantidade de peças produzidas, é necessário que as pessoas trabalhem durante um período extraordinário de tempo para receber uma renda considerável, e, mesmo assim, muitas não conseguem alcançar nem o valor de um salário mínimo. O ganho por peça incita nas costureiras a necessidade de trabalhar o maior número de horas possível, porque disso depende a sua remuneração. Além do que, não é só o fato de um ganho maior que impulsiona a produção das pessoas que costuram, mas é significativo também que elas querem honrar o compromisso acordado com o “patrão” e cumprir a demanda que lhes foram solicitadas dentro do prazo estipulado.
A rotina de trabalho dessas pessoas é praticamente a mesma, pois a maioria delas acorda às 6 horas ou 7 horas da manhã para costurar, param para o almoço, voltam às 12 horas ou 13 horas e algumas ficam até 18 horas costurando, outras pessoas fazem apenas uma pausa para a janta e continuam na atividade até tarde da noite, que é a hora em que costumam dormir. Nos finais de semana, há os casos das que costuram só um turno no sábado, e há outras que costuram o sábado inteiro; em suma, a maioria delas reserva apenas o domingo como uma possível folga.
Ao estudar a vida dos trabalhadores de usina em Pernambuco, Lopes (1978) faz uma análise sobre a relação do salário sendo determinado pelo tempo de trabalho exercido, e constata algo que pode ser utilizado como um elemento a ser observado na realidade das costureiras do Polo, pois:
Com efeito, a crença na recompensa dos salários mais elevados, diretamente proporcionais às longas jornadas de trabalho, se configura em ilusão durante o ciclo de vida do operário: se, na mocidade, ele aguenta essas longas jornadas em função do salário, na sua maturidade, ao contrário, e principalmente quando está próximo da aposentadoria, ele sente no corpo todo o peso do absurdo do excesso de trabalho a que foi submetido durante sua vida ativa. (LOPES, 1976, p. 96).
Em certa medida, no que diz respeito ao regime de horas de trabalho, é possível fazer ainda algumas ligações entre o trabalho da costura no Polo e o trabalho no corte de cana, também descrito por Lopes (2011). De acordo com este autor, no setor sucroalcooleiro, “o drama dos operários da produção é a alternância entre as longas jornadas de trabalho na safra, mas que propiciam um salário maior, e as jornadas mais curtas na entressafra, quando se tornam ajudantes dos operários de manutenção” (LOPES, 2011, p. 4). Nesse último período, o salário diminui e isso faz com que os trabalhadores “naturalizem as longas jornadas da safra como mal menor diante da entressafra, conformando-se com o fetichismo do salário-hora[10]” (LOPES, 2011, p. 4). Fato este, que também observei dentre as costureiras, pois elas naturalizam a grande carga horária que cumprem nos períodos de “feira boa”, devido aos maiores rendimentos que podem obter pelo seu trabalho, e reclamam da fase da “feira ruim”, porque ganham menos nessa época. Além disso, acredita-se, assim como Lopes (2011), que a própria contradição entre “ser explorado” diante das longas jornadas e se “contentar” subjetivamente pelo ganho por produção acaba dificultando reivindicações por mudança.
Para Lopes (1978, p. 114), “os baixos preços horários do trabalho servem de estimulante para a prolongação da jornada de trabalho”. Destarte, tomando como exemplo o caso do Polo pernambucano, no discurso das costureiras fica notável essa questão, pois como uma delas afirmou: “você quer dar produção, porque assim, quem trabalha com produção, tem que fazer muito, porque aí você ganha mais”.
No entanto, essa alta produção, ou a quantia ganha por peça, aliada aos ritmos intensos de trabalho, se, de um lado, propiciam um rendimento razoável, do outro, carregam seu ônus, porque a intensificação e a precarização do trabalho, além de serem características comuns na região, se revelam através das jornadas que chegam a durar cerca de 14 horas por dia, da utilização do trabalho infantil, do adoecimento dos trabalhadores pela inalação de pelos das linhas e tecidos, dos problemas na coluna, nas pernas e na visão que muitos deles se queixam, dentre outros. Assim como na situação estudada por Lopes (2011), esses elementos expressam a noção de precarização, que aparece sob as roupagens da própria produção e que contribui para naturalizar as condições de trabalho aos olhos dos agentes que estão nesse processo.
‘A gente costura, cuida dos filhos e ajeita a casa tudo de uma vez só’
Como bem pontuam Abreu e Sorj (1993), qualquer análise acerca do trabalho em domicílio deve fazer também referência direta às identidades de gênero dessas mulheres, que vivenciam seu trabalho numa associação muito próxima ao mundo doméstico. Por essa razão, não se pode compreender a existência do trabalho produtivo domiciliar, deixando de lado o trabalho reprodutivo e a divisão do trabalho doméstico, pois o espaço que a mulher ocupa na sociedade sempre é marcado pelo seu papel na família. Além do mais, como destacam as autoras, o trabalho em domicílio é uma atividade essencialmente feminina, porque “sempre se apoiou no trabalho doméstico e na divisão sexual do trabalho, tanto na esfera da produção, como na da reprodução” (ABREU; SORJ, 1993, p. 23).
Nesse sentido, para entender melhor o contexto trazido neste artigo, é importante que se faça uma ligação entre o espaço produtivo e o espaço reprodutivo, pois para as mulheres, na maioria das vezes, a própria vivência do trabalho produtivo implica uma combinação destas duas esferas. Dessa forma, acredita-se, assim como Hirata (2007), que a precarização do trabalho não pode ser elucidada sem uma recorrência à dimensão extratrabalho, principalmente à relação entre os homens e as mulheres dentro do lar.
A figura do “cuidado” familiar foi (cultural e socialmente) sempre atribuída à mulher como uma capacidade que está presente em sua essência. A dimensão da afetividade e da atenção é refletida na imagem feminina e no papel social que a mulher deve desempenhar no interior de sua família. Para Antunes (1999), não é só a família que precisa desse “cuidado”, mas o próprio capital também necessita do tempo de trabalho das mulheres na esfera reprodutiva, uma vez que isso é indispensável para o processo de valorização e seria impossível para o capital realizar seu ciclo produtivo sem o trabalho feminino que é realizado na esfera doméstica e é responsável pela reprodução dos seus membros que correspondem à força de trabalho da qual necessita.
Sendo assim, a família se apresenta como necessária e como base orgânica e funcional do desenvolvimento do próprio sistema sob o qual a sociedade está estruturada, pois para que ele possa se reproduzir as dimensões produtivas nas quais se apoia devem crescer proporcionalmente, em que a força de trabalho tem que se manter tanto em qualidade como em quantidade. Nesse sentido, é através do uso da produção doméstica e do trabalho feminino dentro do lar que o sistema econômico e patriarcal garante a reprodução adequada dos indivíduos e da sua força de trabalho para o seu funcionamento.
Na realidade do Agreste pernambucano percebe-se que, em décadas anteriores, quando ainda não existia energia elétrica nos sítios e também quando a geladeira era um eletrodoméstico ainda pouco utilizado entre as famílias mais pobres, o fato de ter que preparar as refeições todos os dias para não estragá-las, era algo que dificultava ainda mais a rotina de algumas mulheres, já que nenhuma alimentação poderia ser feita em grande quantidade ou ser guardada de um dia para o outro, tudo tinha que ser feito diariamente. Some-se a essa situação, os casos em que as mulheres, além de costurar e cozinhar, eram as únicas responsáveis pelos cuidados com os filhos e por outras atividades domésticas.
Embora alguns avanços tecnológicos já existam nos dias atuais, como a chegada da eletricidade no sítio, as geladeiras, os fogões a gás e as máquinas ou tanques de lavar roupa, as mudanças que dizem respeito às relações de gênero ainda não ocorreram na esfera reprodutiva, pois assim como no passado, nota-se que até os dias atuais, as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelas atividades domésticas.
É importante ressaltar, que as funções atribuídas às mulheres no lar são sempre caracterizadas por uma relação de serviço. O trabalho doméstico, por sua vez, não é reconhecido como trabalho, porque é “invisível”, não reconhecido pelo critério estritamente econômico. A gratuidade desse serviço exercido no seio da família é desde os séculos passados visto como uma obrigação natural da mulher, que nas palavras de Hirata (2006) é caracterizado por uma “disponibilidade permanente”.
No Agreste de Pernambuco, embora em determinado momento, os homens passem a exercer profissionalmente atividades que eram “essencialmente femininas”, como costurar (MILANÊS, 2020), isso não tem implicado que eles assumam outras atividades da vida doméstica, como lavar a louça, limpar a casa, preparar os alimentos ou cuidar dos filhos. Isso significa dizer que, se na dimensão industrial, produtiva e comercial, o homem assume papéis tipicamente femininos, no espaço doméstico, os papéis e as funções continuam sendo divididos hierarquicamente, de acordo com o gênero. Tal fator pode ser exemplificado pelo fato de que nenhum dos homens entrevistados afirmou realizar algum tipo de atividade dentro do lar. Segundo Bruschini (2006, p. 338), de acordo com a Pnad[11], entende-se por afazeres domésticos:
A realização, no domicílio de residência, de tarefas (que não se enquadravam no conceito de trabalho) de: arrumar ou limpar toda ou parte da moradia; cozinhar ou preparar alimentos, passar roupa, lavar roupa ou louça, utilizando, ou não, aparelhos eletrodomésticos para executar estas tarefas para si ou para outro(s) morador(es); orientar ou dirigir trabalhadores domésticos na execução das tarefas domésticas; cuidar de filhos ou menores moradores; limpar o quintal ou terreno que circunda a residência.
O fato de não contar com o apoio masculino no âmbito doméstico faz com que as mulheres se sobrecarreguem de serviços, enquanto os homens se dedicam apenas aos trabalhos produtivos. Dessa maneira, ambos os gêneros continuam partilhando de condições desiguais perante o mercado de trabalho. Esse fenômeno da disparidade das condições de trabalho pode ser notado no discurso dos próprios agentes entrevistados para esta pesquisa. Para ilustrar tal situação, convém destacar o caso a seguir.
Durante a pesquisa de campo, fiquei hospedada na casa do casal Ricardo e Juliana. Os dois são costureiros e têm um filho chamado Miguel, de três anos de idade. Todos os dias, a rotina dessa família é praticamente a mesma, ambos acordam às 6 horas ou 7 horas, tomam café e começam a costurar. A facção deles se localiza na sala da casa, e durante o tempo que trabalham, Miguel divide o espaço entre as máquinas e as peças de roupa, enquanto assiste desenho no sofá. Na verdade, ele só consegue visualizar as imagens que passam na televisão, porque o ruído das máquinas é tão forte, que não tem como escutar os sons dos programas. Durante a manhã, pude perceber que Miguel sempre interrompia Juliana inúmeras vezes para pedir alguma coisa, e requisitar sua atenção. Ele nunca recorria ao pai, mas a mãe era quem sempre parava de costurar para atendê-lo.
Por volta das 11 horas, Juliana desligava sua máquina e ia fazer o almoço, passando cerca de uma hora ou mais realizando essa atividade, enquanto seu marido permanecia costurando. Quando a comida estava pronta, todos almoçavam. Após o almoço, Ricardo tirava um cochilo e ela ia dar banho em Miguel e arrumá-lo para levá-lo à escola. Quando Juliana voltava para casa, Ricardo já estava acordado costurando, e ela ia lavar a louça do almoço, e só após terminar, voltava a costurar.
Durante a tarde, os dois costuravam incessantemente sem parar. Às 17 horas, Juliana ia buscar Miguel na escola e sempre parava na casa da sua mãe, que mora na mesma rua, passava uns minutos lá e retornava para costurar. Miguel novamente ficava na frente da televisão. Por volta das 19 horas, Juliana interrompia o trabalho e ia preparar o jantar, e quando ficava pronto, Ricardo parava de costurar e todos iam comer. Se fosse dia de “serão”, Ricardo voltava a costurar, mas se não fosse, logo após a janta ele dava por encerrado sua atividade. Enquanto isso, Juliana ia lavar a louça, dar banho em Miguel e tomar banho. Suas atividades domésticas só encerravam em torno das 22 horas.
Nos finais de semana, os dois costuravam até no sábado de manhã. Durante a tarde e no domingo, Juliana realizava as atividades que ela não conseguia fazer no decorrer da semana, por falta de tempo, como: varrer a casa, passar pano, lavar roupas, passar ferro, fazer compras, dentre outras. E Ricardo, por sua vez, sempre saía para conversar na frente de casa com algum amigo, visitar seus parentes ou ficava dormindo. Certa vez, Juliana resumiu sua rotina e também a de muitas mulheres na região com a seguinte frase: “a gente costura, cuida dos filhos e ajeita a casa tudo de uma vez só”.
Diante desse caso, há que se reconhecer que, em certa medida, o rendimento do trabalho das confecções é garantido mais fortemente pelo homem, pois é notável que Ricardo costura bem mais que Juliana, já que ele não precisa parar inúmeras vezes ao longo do dia, para cuidar da alimentação, da casa e da família. No entanto, isso só é possível, porque sua esposa faz todas as outras atividades domésticas sozinha. Portanto, Ricardo não conseguiria manter seu ritmo de trabalho, se não tivesse almoço e janta já prontos, todos os dias. Nesse sentido, sua alta produção é garantida graças ao papel que Juliana cumpre dentro de casa e que assegura a reprodução física e social de todos os membros da família.
Não apenas Juliana, mas a maioria das mulheres entrevistadas partilha dessa mesma rotina, que mistura o ofício profissional com as tarefas domésticas cotidianamente, conciliando e realizando inúmeras atividades, quase ao mesmo tempo, sem contar com qualquer ajuda de seus companheiros. O que implica dizer que suas jornadas acabam sendo maiores do que as dos homens e que, no final das contas, elas trabalham mais do que eles.
Um fato que também dificulta muito a vida dessas mulheres, é que no Agreste, como um todo, o problema de escassez de água é frequente, e nos sítios é muito difícil encontrar residências que possuam água encanada. Esse fato complica ainda mais o exercício das atividades domésticas, pois elas precisam carregar baldes de água para cozinhar, lavar a louça, passar pano na casa ou lavar as roupas. Para lavar os pratos, todas seguem o mesmo padrão, colocam duas bacias de água e assim vão lavando tudo, para evitar ao máximo o desperdício. Para lavar as roupas, algumas possuem tanques elétricos, que são semelhantes a máquinas de lavar roupas, e com a água que sobra desse processo, elas dão descarga no banheiro ou lavam a calçada. Para tomar banho, cada pessoa da casa utiliza um balde de água com cerca de 10 litros por dia e, como eles falam, “tomam banho de cuia”. Essa experiência com o racionamento de água foi muito importante para minha vida pessoal, por me fazer enxergar o valor desse recurso natural, pois para os moradores locais, a água é sagrada, e mesmo sem campanhas publicitárias, eles têm uma consciência social e cultural de muito respeito com a água e a prezam muito.
Outro ponto que merece ser destacado, refere-se ao fato de que, tal como algumas mães da região me relataram, é comum que seus filhos pequenos se machuquem com tesouras, agulhas ou outros objetos do trabalho industrial, enquanto elas estão costurando. A principal explicação delas para esses casos é que as crianças ficam sozinhas e elas se distraem com o trabalho, não podendo dar total atenção, e por isso alguns acidentes acontecem. Muitas afirmam que criaram seus filhos apenas “dando uma olhadinha”, porque nunca tiveram tempo de se dedicarem plenamente aos cuidados com as crianças. Uma das entrevistadas, quando indagada a respeito dessa questão, assim me falou: “eu botava os meninos no chão e eles ficavam embolando e eu dava uma olhadinha de vez em quando”.
Em alguns poucos casos de mulheres que moram com os pais ou com a família do marido, percebe-se que, ao menos nestas situações, as costureiras acabam realizando um número menor de afazeres no lar, pois recebem esse suporte de outras mulheres, que moram na mesma casa, seja, de suas sogras, avós, ou mães idosas, que lavam uma louça, varrem a casa e fazem a comida, enquanto elas se mantêm apenas costurando. Nessas configurações, as trabalhadoras que realizam menos atividades domésticas conseguem alcançar uma produção maior das confecções e, consequentemente, também acabam recebendo uma maior remuneração.
Em geral, as mulheres desempenham uma quantidade desproporcional de tarefas domésticas, que poderia se traduzir como uma “dupla jornada”, mas optei por não nomear essa configuração dessa maneira, pois, de fato, para elas tudo isso é uma “jornada única”, tendo em vista que tanto o trabalho produtivo quanto o reprodutivo são todos realizados no espaço da casa. Portanto, não existe uma duplicidade, porque não há uma separação entre o trabalho remunerado fora do lar e o trabalho doméstico, ao contrário, elas realizam todas as funções e papéis (de mãe, esposa, costureira) em um só lugar, e quase ao mesmo tempo.
Por fim, convém destacar, que no Polo como um todo não há uma preocupação maior dos órgãos públicos em atuarem por meio de políticas públicas, visando auxiliar essas trabalhadoras. A existência de creches, escolas de tempo integral, berçários ou políticas públicas que permitissem a conciliação da vida profissional com a vida familiar, certamente contribuiriam para diminuir o fardo das mulheres. Assim como ações voltadas ao incentivo à escolarização, desde os momentos mais tenros, impulsionariam o combater ao trabalho infantil, tão flagrantemente presente na dinâmica local.
Considerações finais
No Agreste de Pernambuco, o trabalho domiciliar da costura vem, desde os anos 1950, incorporando inúmeras mulheres da região. Inseridas de diversas maneiras no processo produtivo das confecções de roupa, elas vêm estabelecendo, ao longo do tempo, diferentes vínculos e relações que se constituem elementos indispensáveis para as relações de trabalho que o Polo oferece. Assim como afirma Bezerra (2011), acredita-se que a costura faz parte de diversos momentos na vida das mulheres que se envolvem com a produção da “Sulanca”, ditando fluxos e refluxos, que acabam orientando e definindo seus destinos.
Conforme foi demonstrado, há um forte traço na região demarcado pelo aprendizado da costura ainda na infância. Destarte, a importância da reprodução e da transformação desse saber, que é transmitido por gerações e convertido em habilidade técnica, acabou sendo incorporada pelos processos industriais de produção. Sendo assim, diante do contexto de expansão e desenvolvimento das atividades, a inserção das mulheres camponesas no mundo do trabalho na região, se vinculou diretamente ao fenômeno das confecções de roupas, que supostamente abriu espaço considerável para que elas conseguissem se agregar às atividades industriais.
A lógica inerente ao setor têxtil sempre foi influenciada pelo aumento da produção e pela redução dos custos, nesse sentido, a subcontratação se revitaliza nos dias atuais diante de uma dinâmica que mantém relações contínuas entre o formal e o informal, deslocando os processos produtivos também para setores rurais ou periurbanos. Para além da terceirização nas áreas urbanas, existe atualmente uma procura por outras localidades com menos infraestrutura, baixa fiscalização e mão de obra mais barata e abundante. Geralmente estes elementos passam a ser encontrados no campo, sobretudo nos espaços em que a agricultura vem perdendo a importância como meio de vida e de trabalho e, com isso, as atividades não agrícolas assumem um peso cada vez maior na renda das famílias (CARNEIRO, 2006). É também diante dessa perspectiva, que o assalariamento pode surgir para alguns(as) agricultores(as) como uma alternativa que visa responder às dificuldades de manutenção doméstica.
O trabalho com a costura vem proporcionando para as mulheres não só um ganho monetário, mas também tem lhes dado poder de compra e de administração das finanças, pois a maioria delas, a partir do momento que começa a ser remunerada, não precisa mais pedir ou dar satisfação ao marido sobre quanto ganha e onde vai empregar a remuneração. Isso significa que a inserção delas no mercado de trabalho tem implicado mais autonomia e dado visibilidade a elas dentro da família e no espaço público.
Dessa forma, há que se considerar que a relevância da costura como um trabalho, sem dúvida, melhorou a vida de todas as mulheres que conheci ao longo da pesquisa. Portanto, é inquestionável o fato de que, no Agreste de Pernambuco, a inserção no mercado das confecções de roupas tem uma grande relevância, como uma fonte de renda para a população rural da região, mas o que talvez possa ser percebido através de uma análise mais detalhada, é que dentro de um processo de incorporação da mão de obra feita por um mercado informal, algumas consequências podem se evidenciar no que diz respeito à precariedade do trabalho. Pode-se notar, por exemplo, que o trabalho em domicílio, de um lado, aproveitou os conhecimentos acumulados no exercício das atividades domésticas (como a costura) e, de outro, se tornou uma atividade atrativa para as mulheres pela possibilidade de conciliar o trabalho profissional com as tarefas do lar, ampliando, portanto, a entrada feminina no mercado de trabalho.
Assim, embora as atividades produtivas oferecidas pelo Polo possam ser consideradas como estratégias de geração de renda para muitas famílias camponesas, acredita-se que essa dinâmica de mercado tem também seu preço. Pois, diante dos empregadores que buscam flexibilidade, redução de custos e transferência de riscos, em um ambiente muito competitivo, se encontram principalmente as costureiras e agricultoras, mulheres, mães e esposas, que acumulam em um mesmo espaço físico as funções dos cuidados com o lar e a atividade profissional para o sustento da família. Conforme foi demonstrado, tudo isso passa a ser feito à custa do não cumprimento de encargos trabalhistas e da informalização do emprego, que tem como uma das principais consequências “a precariedade dos empregos e das condições de trabalho a que são submetidos os trabalhadores” (SCHNEIDER, 1994, p. 159).
Embora o trabalho domiciliar apareça no discurso das entrevistadas como um trabalho “mais confortável”, por estar sendo realizado em casa, sem a presença de patrões, essa “liberdade profissional”, entretanto, traz consigo algumas consequências, como: as jornadas de trabalho indefinidas, a mistura dos papéis reprodutivos com os produtivos, o envolvimento de crianças e idosos para “ajudarem” a atender as demandas solicitadas no tempo estipulado, dentre outras.
Portanto, mesmo que a costura tenha se tornado uma importante fonte de renda para inúmeras mulheres camponesas (que até então nunca tinham recebido qualquer remuneração pelos trabalhos que realizavam), convém destacar, que essa entrada feminina no mercado de trabalho veio acompanhada pela precarização, pois as mulheres vêm sendo as mais prejudicadas pelos processos de informalidade e flexibilidade que ocorrem na região. Além disso, mesmo que as mulheres esteja inserida no mercado de trabalho, assumindo as mesmas funções que os seus companheiros nas esferas de produção e obtendo a própria renda, isso não é o suficiente para afirmar que estão em um processo de igualdade em relação aos homens, pois muitas disparidades ainda continuam se perpetuando, sobretudo no ambiente reprodutivo, pois elas continuam sendo as únicas responsáveis pelos cuidados com a família e o lar. Isso demonstra que a casa reflete a reprodução sexuada do espaço, pois nesse ambiente os papéis masculinos e femininos continuam a se divergir.
A partir desse contexto do Agreste pernambucano, fica clara a percepção de que para otimizar a vida destas mulheres trabalhadoras, não bastaria apenas formalizá-las, mas sim pensar em novas formas de garantir direitos e melhorias nas condições trabalho, que seriam compatíveis com a situação presente sob a qual elas estão envolvidas cotidianamente.
Fontes de financiamento
O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Brasil.
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Renata Bezerra Milanês É Doutora e Mestra em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Fez doutorado sanduíche no Lateinamerika Institut (LAI) da Freie Universität Berlin, Alemanha. É Pesquisadora do Núcleo de Estudos Ciência, Natureza, Informação e Saberes (CINAIS), coordenado pela Prof. Maria José Carneiro. Foi membro da comissão editorial da Revista IDeAS – Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Possui estudos dirigidos nas áreas de Relações de Gênero, Sociologia e Antropologia do Trabalho, Sociologia Econômica, Antropologia Econômica e Sociologia Rural. E-mail: renatamilanes@hotmail.com ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/3660164987782971 |
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 14, 1-29, e020010, jan./dez. 2020 • ISSN 1984-9834
[1]Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: renatamilanes@hotmail.com.
[2] “Muitas mulheres não conseguem mais diferenciar sua identidade de trabalhadora, de seus papéis de mães, esposas, cozinheiras, domésticas, entre outras funções que geralmente acumulam.” (LIMA, 2009, p. 141).
[3] Neves e Pedrosa (2007) conceituam o trabalho domiciliar como uma atividade remunerada “exercida no espaço de moradia de quem o realiza” (p. 18). Segundo os autores, essas atividades “assumem as formas assalariadas ou por conta própria, podendo o trabalhador realizar todo o processo produtivo ou apenas uma de suas etapas” (p. 18).
[4] Para zelar pela confiança que me foi depositada e proteger a honra, a privacidade e a dignidade de todas as pessoas que colaboraram com esta pesquisa, optei por substituir os nomes verdadeiros de todas as costureiras entrevistadas por nomes fictícios.
[5] Nunes e Silveira (2016) definem o fast fashion como um modelo de negócios, típico do varejo de moda, que se dá desde a criação, até a produção e distribuição do produto, tendo como objetivo principal responder da maneira mais rápida possível às constantes mudanças e às tendências demandadas pelos consumidores.
[6] “Abanhado”, abainhado ou bainha são as dobras com costura na extremidade de um pano, de uma peça ou de um vestuário. Geralmente tem a finalidade de acabamento para evitar que o tecido desfie.
[7] Significa costurar juntando a frente da camisa com a parte das costas.
[8] Tendo em vista que entrevistei mais de trinta pessoas, apenas onze estão referidas abaixo, pois foram as que consegui obter informações mais claras sobre este assunto, sem que isso gerasse um constrangimento para elas.
[9] Para exemplificar melhor essa questão: Teresa, recebe R$ 0,90 do “patrão” por bermuda que produz, mas ela acaba pagando cerca de R$ 0,20 a outras pessoas para realizarem alguma etapa produtiva. Dessa forma, no final, é como se ela recebesse apenas R$ 0,70 pelas bermudas. Portanto, foram exatamente esses ganhos finais (e não os iniciais) que eu levei em conta na construção do quadro.
[10] Essa noção do fetichismo do salário-hora foi abordada por Lopes (1978), ao estudar os operários do açúcar, e se relaciona à tendência e à prática dos contadores de horas, no sentido de que “a hora deixe de ser uma medida de tempo — tempo em que um determinado esforço é utilizado — e passe a significar simplesmente uma medida do salário” (p. 101).
[11] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.