Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 13, 1-6, e019001, jan./dez. 2019 • ISSN 1984-9834

Resenha • Revisão por pares •  Acesso aberto

O que temos para o século XXI? Ação coletiva e sociologia dos movimentos sociais

What do we have for the 21st century? Collective action and sociology of social movements

Bruno Costa da Fonseca[1] 

Livro resenhado

Maria da Glória Gohn. Sociologia dos Movimentos Sociais. 2 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2014. ISBN: 9788524920233


Submissão:
dez. 2019

 

 

 

Citação sugerida

GOHN, Maria da Glória. Sociologia dos Movimentos Sociais. 2 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2014. Resenha de: FONSECA, Bruno Costa da. O que temos para o século XXI? Ação coletiva e sociologia dos movimentos sociais. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 13, p. 1-6, e019001, 2019.

 

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Aceite:

jan. 2020

 

 

A quantidade de obras sobre a temática movimentos sociais ao longo dos tempos é riquíssima, e evidencia, com efeito, estudos teóricos e empíricos de diversas partes do mundo, nas mais variadas formas de manifestação. Teóricos clássicos renomados, tais como Alberto Melucci, Alain Touraine, Sidney Tarrow, Charles Tilly, Doug McAdam, Mario Diani, John McCarthy, dentre outros, apresentam perspectivas teóricas que podem ser agrupadas em três grandes correntes: a Teoria da Mobilização de Recursos (TMR), a Teoria do Processo Político (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS). Após a década de 1990, emergiram trabalhos que consideravam novas dinâmicas sociopolíticas mundiais, mas com releituras baseadas nos autores citados anteriormente.

Destarte, para o pesquisador que intenta estudar os fenômenos referentes às mobilizações sociais no Brasil, a leitura dos estudos da cientista política Maria da Glória Gohn se tornou indispensável. Ao longo de sua trajetória empenhou-se em realizar, além de diversos trabalhos, um estudo analítico sobre as principais correntes teóricas e dos autores mencionados no parágrafo anterior, sobretudo em seus livros mais conhecidos: Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos (GOHN, 1997) e Novas teorias dos movimentos sociais (GOHN, 2008). Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em movimentos sociais possui mais de 80 livros publicados na área. Todavia, trazemos para epítome e análise neste paper a obra Sociologia dos movimentos sociais, fruto de uma pesquisa da autora sobre movimentos sociais transnacionais.

O enfoque principal do livro é demonstrar novas formas de atuação de jovens em protesto e contestações no início do século XXI, desvinculadas de partidos políticos e sindicatos, como comumente acontecia outrora. Para tanto, o livro foi elaborado sobre três eixos principais. No primeiro, a autora perfaz uma análise dos movimentos sociais no Oriente Médio, na Europa e nos Estados Unidos, sob a perspectiva das tecnologias e das novas mídias. No segundo, são tratadas mobilizações sociais no Brasil e, no último, é abordada a revolução cultural intitulada Maio de 1968, ocorrida na França. Como metodologia norteadora dos estudos, foi realizado um enquadramento do cenário sociopolítico dentro do contexto estudado, além do recolhimento de matérias em mídias nacionais e internacionais.

Na primeira parte, Gohn elenca três grandes acontecimentos que ditaram novas formas de organização civil nos três cantos do mundo. Segundo a autora, observa-se um novo modelo de associativismo em voga, diferente das rebeliões dos anos de 1960 e dos movimentos altermundialistas mais recentes, especificamente pós-década de 1990. As diferenças estariam pautadas nos campos temáticos abordados, nos repertórios de ação coletiva apropriados, nas formas de se comunicar, no acirramento do ciberativismo e nas identidades criadas/compartilhadas.

Nesse sentido, os episódios de mobilização associados à Primavera Árabe foram os primeiros abordados pela autora e apontaram para novos atores em cena: jovens diplomados e desempregados. As ondas de mobilizações começaram na Tunísia em 2010, após a repressão e prisão de uma blogueira que escrevia sobre censura, liberdade de expressão, feminismo etc. No entanto, logo se espalhou para outros países como Egito, Líbia, Iêmen, Síria, entre outros. Os principais motivos das revoltas na Tunísia foram o autoritarismo político, os conflitos religiosos e a crise econômica. Após a queda do ditador Bem Ali, na Tunísia, uma grande mobilização popular ocorreu no Egito, que culminou na derrubada do ditador Hosni Mubarak, depois de três décadas no poder. Mais uma vez, as redes sociais foram de suma importância. A criação de uma página no Facebook contra o espancamento até a morte de um jovem por forças de segurança de Mubarak atingiu 100 mil ciberativistas em três dias, formando uma intensa rede de protesto. Manifestações similares às da Tunísia e do Egito aconteceram na Jordânia, Síria e na Líbia, posteriormente.

Outro conjunto de protestos e manifestações retratados por Gohn inclui as mobilizações dos Indignados na Europa, entre 2011 e 2012. Se, por um lado, as revoltas no Oriente Médio foram derivadas da luta popular contra a ditadura, na Europa, o contexto era de grave crise econômica. Apesar do surgimento de mobilizações em Portugal, foi o movimento dos Indignados na Espanha que chamou a atenção da grande mídia internacional. A partir de uma convocação nas redes sociais, ocorreram protestos em mais de sessenta cidades espanholas, reunindo milhares de pessoas em praças públicas. Manifestações parecidas contra a situação socioeconômica na Europa também aconteceram na Inglaterra, na Grécia e na Dinamarca.

No último grande bloco de manifestações, a autora dá destaque ao movimento Occupy Wall Street, iniciado em setembro de 2011, nos Estados Unidos. Sua expansão atingiu mais de 82 países em todo mundo, incluindo Alemanha, Japão, Itália, entre tantos outros. As mobilizações agregaram centenas de pessoas no parque Zuccoti, sul da ilha de Manhattan. O slogan predominante era direcionado às injustiças praticadas por 1% da elite política e econômica aos outros 99% do país. Era, com efeito, uma crítica ao capitalismo vigente, mas não exatamente contra as instituições financeiras. Assim como nos episódios da Primavera Árabe, as convocações eram feitas via internet, com pautas que alternavam entre a temática do desemprego, da desigualdade social, da corrupção, do lucro desenfreado das corporações privadas, entre outras.

Além das tradicionais marchas e acampamentos e as estratégias de resistência do Occupy Wall Street, Gohn destaca outros tipos de enfrentamentos simbólicos, tais como espaços de artes, revistas em quadrinhos e gibis, documentários e grafite. Ainda como aprofundamento das análises, e de forma casual, a autora se dedicou a retratar, por meio de etnografia, o Occupy Wall Street, em Frankfurt, na Alemanha. “O Occupy Frankfurt durou dez meses e, em agosto de 2012, foi esvaziado pela polícia, sob a alegação de problemas sanitários e de saúde pública” (2014, p. 47). Gohn destaca as explicações de Kalle Lasn, um dos fundadores do Occupy, para o real motivo da dispersão e malogro do movimento. Para ele houve desunião e falta de articulação do movimento, as reuniões se tornaram maçantes, ou seja, perdeu a magia.

Noutra seção, Gohn analisa os movimentos sociais e o associativismo no Brasil. Para ela, o país neste novo século apresenta um quadro de associativismo bem diverso daquele das décadas de 1980 e 90. Ademais, o quadro socioeconômico nos anos 2000 é muito diferente do panorama visto em alguns países europeus em crise, sobretudo pela ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, assim como pela implementação de algumas políticas sociais que mudaram o quadro de pobreza no Brasil. Não obstante, em meados de 2012 problemas econômicos vieram à tona, e tomaram conta da mídia: queda do PIB, endividamento excessivo da população, produtos brasileiros em baixa no plano internacional, dificuldade de inserção regional, entre outros.

O aspecto mais relevante apontado por Gohn referente ao caso brasileiro diz respeito à substituição gradual do papel dos movimentos sociais pelas instâncias de participação institucionalizada, tais como os conselhos, as câmaras, fóruns e assembleias nacionais. Isto é, o tipo de ação coletiva outrora predominante na maioria dos movimentos sociais, “[...] na década de 1980, ganhou nuances novas a partir dos anos 1990, e durante a primeira década de 2000 passaram a predominar as ações civis voltadas para a obtenção de resultados, em projetos de parceria envolvendo diferentes setores públicos e privados” (2014, p. 57). De forma indireta, a autora evidencia que a entrada de um governo considerado de “esquerda” possibilitou a junção de novos e antigos atores sociais, sobretudo, pela parceria entre governo e sociedade civil organizada.  

No último capítulo de seu livro, Gohn retoma as mobilizações e os protestos ocorridos na Europa. Todavia, como numa viagem ao passado, o objetivo era trazer à luz das discussões as mobilizações sociais que ficaram conhecidas como Maio de 1968, mais especificamente sobre a reprodução das estratégias de ação coletiva dos jovens da época. O propósito, num segundo plano, foi articular as teorias sociais da época aos acontecimentos de protestos, traçando — a nosso ver, timidamente — um paralelo com outros episódios apresentados no livro. A motivação inicial ocorreu na Universidade de Nanterre, uma instituição que era colocada à margem das outras universidades francesas, apesar de possuir grandes mestres como Henri Lefébvre, Alain Torraine, Michel Foucault, entre outros. A reivindicação se dava pela melhoria da infraestrutura no campus, mas rapidamente foram acolhidas demandas de trabalhadores e outras bandeiras no mundo todo. O governo conservador de Charles de Gaulle, herói da resistência durante a Segunda Guerra Mundial, respondeu com duras repressões. A televisão, veículo midiático importante na época, unia rebeldes no mundo todo por meio de noticiários sobre os acontecimentos em nível mundial. Desenhos, escritas e cartazes nos muros da Universidade também eram uma das estratégias de resistência do movimento, intentando a reivindicação e a informação sobre os objetivos das manifestações.

A autora apresenta, dentre as teorias que influenciaram notavelmente as revoluções de Maio de 1968, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, especificamente os estudos do sociólogo alemão Herbert Marcuse; o Socialismo Libertário; as teorias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche; e algumas outras vertentes marxistas, sobretudo de influência trotskistas — doutrina marxista baseada nos escritos do político e revolucionário ucraniano Leon Trotski. O destaque, contudo, foi para Herbert Marcuse, que sustentava a tese de uma “nova esquerda”, ou seja, as transformações históricas não derivavam apenas do proletariado, mas também dos “[...] jovens, principalmente os estudantes, as minorias raciais e os marginalizados pela sociedade industrial da sociedade burguesa [...]” (2014, p. 88). Assim, Herbert Marcuse teve como fundamental contribuição uma crítica ao marxismo exclusivamente economicista, salientando a importância do nexo entre cultura e sociedade para estudar os fenômenos sociais da época.

De fato a grande contribuição do livro de Gohn consistiu em mostrar que as mobilizações no Oriente Médio, com a Primavera Árabe, na Europa, com a revolta dos Indignados, e nos Estados Unidos, com a Occupy Wall Street, tiveram motivações sociopolíticas diferentes, todavia, o uso das tecnologias e o aumento da atuação dos ciberativistas foram comuns durante estes episódios de contestação, quando não, essenciais para alcançar as mudanças necessárias. A conjuntura muda, mas — parafraseando o conceito de Repertório de Ação Coletiva de Charles Tilly — existe um conjunto de possibilidades de ação dentro de um determinado período histórico à disposição dos movimentos sociais que, tendo em vista a “cena”, será mais ou menos utilizado. Para o caso brasileiro, apesar da atuação dos movimentos sociais das duas décadas anteriores, criaram-se novos espaços de associativismo civil que vêm desempenhando papel fundamental para conquista de direitos e reivindicações diversas. O termo “mobilizar” deixou seu sentido original, ou seja, criar uma consciência crítica ou de protestos, tornando-se sinônimo de direcionar e organizar a população para participar de programas e projetos sociais.

Em síntese, a autora destaca que as mobilizações sociais deste novo século, incluindo as do Brasil, possuem como elementos convergentes: a) um novo perfil de ativista, diferente do século passado — não se apoiam em ideais e ideologias políticas, sendo recrutados para cada caso, de acordo com a necessidade; b) suas ações possuem grande visibilidade na mídia; c) manifestam rejeição às estruturas político-partidárias; d) observa-se a expressividade de jovens estudantes nestas ações; e) existe uma perspectiva prática que une estes jovens, em eixos aglutinadores: a liberação da maconha, a liberdade de informação, a democracia, entre outras; f) a maioria das marchas e ocupações tem enfrentado forte repressão policial; g) as marchas e ocupações constroem relações solidárias de forma direta e virtualmente — simbolizam, com efeito, um novo tipo de se fazer política, diferente da política partidária; h) por fim, as marchas e ocupações do século XXI têm funcionado como espaço de aprendizagem não formal. E, como consequência, nos países que passaram por crises econômicas e sociais, as marchas e ocupações de protesto colaboraram para criar tensões e pressionar governantes no poder, intentando mudanças significativas.

Enfim, o leitor do livro Sociologia dos movimentos sociais terá a oportunidade de ler uma análise acertada sobre as perspectivas e desafios dos sujeitos que, no século XXI, ressignificam formas anteriores de participação social e, na mesma via, dão contam de novas estratégias de ação coletiva.

Referências

 GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997.

_________. Novas teorias dos movimentos sociais. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009.

Bruno Costa da Fonseca 

Doutorando do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Possui mestrado em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e graduação em Bacharelado em Cooperativismo pela mesma instituição. Atualmente é professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) no curso de Tecnologia em Gestão de Cooperativas. Desenvolve pesquisas na área de organizações coletivas com ênfase em Economia Solidária, Cooperativismo/Associativismo e Movimentos Sociais.

 

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 13, 1-6, e019001, jan./dez. 2019  • ISSN 1984-9834


[1]  Professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Araguaína, Brasil. E-mail: brunodogma@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8379-5050