Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v.12, 1-60, e018003, jan./dez. 2018
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Os usos do conceito de “camponês” pelo PCB: caminhos para pensar a herança escravista no campo brasileiro (1925-1964)[1]
The uses of PCB’s concept of “peasant”: ways to think about the slavery inheritance in the Brazilian countryside (1925-1964)
Max Fellipe Cezario Porphirio[2]
Resumo
Esse artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa, mais abrangente, que tem por objetivo identificar o ponto de inflexão dos debates em torno das consequências da escravidão na vida dos trabalhadores rurais brasileiros. Como apresentamos em outros trabalhos, entre os anos imediatos após a abolição e a década de 1960, os debates sobre a identidade negra e o passado recente escravocrata dos trabalhadores rurais eram recorrentes na sociedade brasileira. Analisamos a construção do conceito de “camponês” pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), nos periódicos Terra Livre, A Classe Operária e Problemas: revista mensal de cultura política, nas obras dos principais teóricos pecebistas e nas resoluções dos congressos do partido. Acreditamos que este é um exercício fundamental para compreensão das peculiaridades da formação histórica do campesinato brasileiro.
Palavras-chave: camponês, escravidão, população negra, PCB.
Abstract
This article presents the first results of a research that aims to identify the turning point of the debates about the consequences of slavery in the lives of Brazilian rural workers. As we have presented in other works, between the immediate years after the abolition and the 1960s, debates about black identity and the recent slavery past of rural workers were recurrent in Brazilian society. We analyze the construction of the concept of “peasant” by the Brazilian Communist Party (PCB), in Terra Livre, A Classe Operária e Problemas: revista mensal de cultura política, in the works of the main pecebist theorists and in the resolutions of the congresses of the party. We believe this is a fundamental exercise for understanding the peculiarities of the historical formation of the Brazilian peasantry.
Keywords: peasant, slavery, black population, PCB.
Introdução
Em linhas gerais, objetivamos analisar a construção do conceito de “camponês” — entendido aqui, a partir das proposições de Shanin, como um conceito político, portanto, heterogêneo e mutável — pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) (uma das diversas forças sociais que participou desses debates). Acreditamos que essa abordagem nos fornecerá importantes informações sobre as principais retóricas e maneiras de falar sobre política no/para o campo brasileiro, em especial, sobre o lugar da população rural negra nesses debates. Para tanto, dividimos o texto em duas partes: na primeira, analisamos os usos do conceito nos periódicos Terra Livre, A Classe Operária e Problemas: revista mensal de cultura política, nas resoluções dos congressos do partido e nas obras de Octávio Brandão, Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Jr.; na segunda, discutimos a importância do passado recente escravocrata nas estratégias discursivas, na práxis e nos objetivos políticos do partido, a partir do exame dos referidos documentos e do diálogo com produções de diferentes centros de pesquisa.
Primeiros Usos
Na resolução do II Congresso do PCB (1925), o termo “camponês” não foi utilizado para descrever um setor específico do campo brasileiro, mas sim como coletivo de “lavradores pobres” e “operários agrícolas” (o destaque à presença de operários no meio rural está em concordância com a argumentação, presente no item II da resolução, sobre a existência de um capitalismo agrário, que disputava forças com o capitalismo industrial). Nessa resolução é possível perceber uma aproximação com as interpretações amplamente propagadas nas formulações teóricas da Internacional Comunista (IC), pois, ainda que reconhecessem a necessidade de estabelecer diálogos com as “massas camponesas”, classificavam a população rural como “reacionária” e “obscurantista” (item IV) (PCB, 1925, p. 2)[3].
Segundo consta nas resoluções do referido congresso, o periódico A Classe Operária — primeiro jornal publicado pela imprensa comunista brasileira — seria o instrumento de propagação das diretrizes pecebistas nas fábricas, fazendas e usinas[4]. Por essa razão, analisamos o periódico para melhor compreender as teses sobre o campo brasileiro e as caracterizações da população rural empreendidas pelo PCB, nas décadas de 1920, 30 e 40. Na primeira página da edição de 30 de maio de 1925, encontramos um artigo que apresenta os grupos sociais que compunham os engenhos do Nordeste. Sem fazer uso da categoria “camponês” e, em concordância com as diretrizes do II Congresso do PCB, a análise da situação rural é referenciada nos grupos “lavrador pobre”, “operariado agrícola” e “trabalhadores rurais”. Seis são as categorias apresentadas ao público leitor:
Segundo Eduardo Bonfim, o período compreendido entre os anos de 1925 e 1930 marcou o auge da influência de Octávio Brandão (1896-1980) nas estratégias pecebistas[5]. Não por acaso, a categorização acima se aproxima consideravelmente da caracterização do campo realizada por Brandão no livro Agrarismo e industrialismo[6].
O livro Agrarismo e industrialismo tem duas edições. A primeira, publicada em 1924, serviu de subsídio para as teses apresentadas por Astrojildo Pereira no II Congresso do PCB, em especial, o ponto IV, sobre a necessidade de atuação junto à “massa camponesa”. Provavelmente, o destaque à existência de um capitalismo agrário também se ancorava nas reflexões presentes nessa edição, na qual Brandão utilizou os termos “burguês agrário”, “burguesia agrária” e “proletário rural”, que sugerem a existência de relações capitalistas no campo brasileiro, para categorizar a população rural. Na segunda edição dessa obra, esses termos foram suprimidos em prol da afirmação da força do “modo de produção feudal” sobre o campo — com relação ao termo “proletário rural”, acreditamos que a supressão está igualmente relacionada à intenção do autor em legitimar a ausência de consciência de classe entre os trabalhadores rurais. O artigo publicado no A Classe Operária representa a transição dessa caracterização do mundo do trabalho rural, por isso, ao mesmo tempo que as mulheres lavradoras são caracterizadas como proletárias — se aproximando das primeiras análises de Brandão e das categorizações propostas pela IC, ao considerar os “lavradores” parte do proletariado rural —, o feudalismo é apresentado como forma política e econômica predominante no campo brasileiro.
Ao compararmos o artigo com a segunda edição do livro, encontramos estratégias argumentativas e trechos semelhantes. Por exemplo, para tornar mais inteligível sua caracterização do campo como feudal, ambos relacionaram as categorias rurais brasileiras aos grupos da sociedade feudal: “o senhor de engenho é uma forma moderna do barão feudal. O cangaceiro é uma degenerescência do cavalleiro mercenário. O trabalhador rural negro provém do escravo exatamente como o ‘villão-servo’ medieval” (A Classe Operária, 30/5/1925, p. 1, grifo nosso)[7]. Ao utilizarem o termo “villão-servo”, imputaram uma ambivalência inexistente à sociedade estamental feudal, pois os vilões, por serem descendentes dos antigos romanos, eram camponeses livres, diferentemente dos servos, que estavam presos a terra. Sabemos que para um discurso ter efeito, ele precisa tocar no horizonte material do público receptor (MARX; ENGELS, 2007; CÍRCULO DE BAKHTIN, 1981), por essa razão uniram duas categorias díspares (“vilão”, análogo ao rendeiro; “servo”, correlato ao operário agrícola) — reproduzindo as dinâmicas de classe do campo brasileiro, onde um mesmo indivíduo ora pertencia à categoria dos operários agrícolas ora à dos lavradores — e destacaram a ancestralidade escrava dos “villão-servos” europeus — percebendo a importância do passado recente da escravidão nas relações do mundo do trabalho rural brasileiro. Com relação a essa ancestralidade, estendiam a característica racial negra aos dois grandes grupos que, na opinião do partido, compunham o campo brasileiro (lavradores pobres e operários). Ademais, devemos destacar o uso recorrente dos termos “caboclo” e “cabocla” para se referir à população rural.
Outra característica presente no artigo em análise e na obra de Brandão é a inferiorização da população rural — destacando “o terror diante das forças naturais”, a “superstição” e “o gosto pelas cores berrantes” (A Classe Operária, 30/5/1925, p. 1; BRANDÃO, 1926, p. 49) —, traço característico das teorizações pecebistas. Em Agrarismo e industrialismo, a população rural foi exposta como individualista e sem consciência de classe; e suas lutas foram consideradas “obscuras” (BRANDÃO, 1926, p. 113). Sobre essas lutas “obscuras”, o autor afirmou que “em 1918-1920 deram-se, nos campos de Pernambuco, fatos interessantes que ainda esperam por um historiador”. De fato, tivemos que esperar até que dois historiadores, Flávio Gomes e Antônio Luigi Negro (2013), trouxessem luz sobre esses acontecimentos, nos ajudando a entender as intenções de Brandão. Em 1919, trabalhadores da zona açucareira de Recife entraram em greve, contra o sistema de “barracão” e por melhores salários, carga horária de 8h e direito de associação[8]. Ou seja, analisar essa greve seria reconhecer a consciência de classe e a capacidade organizativa autônoma dos trabalhadores rurais, indo contra a ideia de que “o comunismo é, em primeiro lugar, uma teoria para os operários da grande indústria, da alta indústria centralizada, e não para artesãos e pequeno-burgueses” (BRANDÃO, 1926, p. 127-28), e que a libertação da população rural viria por meio do proletariado urbano, “a única classe revolucionária até o fim” (BRANDÃO, 1926, p. 129).
Destacamos três artigos que ilustram como A Classe Operária endossava essa inferiorização da população rural. O primeiro artigo, “Por entre os cannaviaes do Nordeste” (A Classe Operária, 4/7/1925, p. 1), buscou, por meio de uma “synthese histórica sobre a evolução dos engenhos no Nordeste”, oferecer subsídios à construção de um programa agrário partidário. A intenção era mostrar, baseados nas análises do “mestre Carlos Marx”, que “a política, a religião, a moral, a ideologia, a sociedade — tudo era uma decorrente da economia”. Apesar do intuito, a construção do artigo ficou restrita à legitimação da tese a respeito do avanço capitalista no campo brasileiro e, consequentemente, da focalização das ações revolucionárias no operário agrícola — destacando que a transformação dos engenhos a vapor em usinas resultaria na substituição da servidão pelo “semi-salariato”. As justificativas para o abandono da análise proposta no início do artigo foram de ordem material (as quatro páginas do jornal seriam insuficientes para exame de tamanha complexidade) e imaterial (o “estado intellectual das largas massas do Brasil”).
O segundo artigo, “Nos campos do Rio Grande do Norte”, delegou aos operários urbanos o papel de libertação dos trabalhadores rurais: “Trabalhadores das cidades, olhai para o nosso sofrimento. Vinde auxiliar a nossa libertação!” (A Classe Operária, 27/6/1925, p. 2).
O terceiro artigo, “‘A Classe Operária’ mergulha nas profundezas dos seringais” (A Classe Operária, 6/6/1925, p. 2), caracterizou o trabalhador rural como ingênuo. Ao relatar as condições de trabalho dos seringueiros, “os trabalhadores industriaes de Manáos”, os autores do artigo, destacaram que esses eram facilmente enganados pelos “águias”. Os “águias” atuavam recrutando trabalhadores para o serviço nos seringais, oferecendo “hospedagem e dinheiro por conta, até chegar o dia de embarcar, rumo ao seringal”. Quando os seringueiros compreendiam a verdadeira intenção dos “águias”, já era tarde. “O patrão, ao qual não convém perder a presa, domina-a, mostra-lhe as contas e a vítima verifica estar a dever ao patrão”, pelo consumo de produtos de subsistência (alimentos e remédios) no “barracão” dos seringais. Tendo de ficar nos seringais “até o patrão reconhecer que elle não tem mais sangue para perder; então, resolve dar de esmola a passagem”. Os autores foram enfáticos: “a vida dos seringueiros nas florestas do Amazonas só tem uma comparação: é com a dos sentenciados a trabalhos forçados”. O argumento desse artigo foi complementado pela análise do correspondente da cidade de Recife, na reportagem “A situação da classe trabalhadora em Pernambuco” — publicada na mesma página —, que classificou o “trabalho forçado” como trabalho escravo, recorrendo aos signos do período escravocrata para legitimar tal constatação: “Interminável senzala que se estende dos engenhos de assucar de Pernambuco aos seringaes do Amazonas, sob o julgo de feitores de casaca[9]” (A Classe Operária, 6/6/1925, p. 2, grifo nosso).
Em fins de 1927, após ter sido colocado na ilegalidade, o PCB resolveu renomear o Bloco Operário como Bloco Operário-Camponês (BOC). Esse “novo” bloco, que teve o negro operário Minervino de Oliveira como candidato à Presidência da República, foi criado com o objetivo de ser uma frente eleitoral legal, capaz de utilizar o apoio dos trabalhadores urbanos e rurais para angariar alianças com outros partidos e aproximar-se da pequena burguesia. Para conquistar o apoio da população rural, o BOC tinha como agenda a luta contra a ausência de incentivo à formação de cooperativas rurais e as insalubres condições de moradia e trabalho da população rural, ou seja, não ofereciam um programa sólido para a resolução dos problemas estruturais agrários (MEDEIROS, 1995). Ainda que o termo “camponês” tenha sido escolhido para representar a população rural na união com o proletariado urbano, as resoluções e a imprensa pecebistas não faziam uso desse termo como símbolo da emancipação social ou do caráter revolucionário das categorias rurais. O PCB utilizava o termo “camponês” com a intenção de criar uma linguagem de classe para o campo, indicando sua crueza, generalidade e possibilidades de alteração (MEDEIROS, 1995), como na obra Agrarismo e industrialismo (BRANDÃO, 1926, p. 132) e na resolução do III Congresso (1928). Nessa resolução, o termo — que também foi utilizado como sinônimo da palavra “trabalhadores agrícolas” — continuava dissociado da palavra “classe”, embora o PCB tenha reconhecido, nesse Congresso, a necessidade de discutir a questão agrária com seriedade, enfatizando a “importância revolucionária” da população rural para a construção da revolução democrático-burguesa.
Indo na contramão dessa categorização, A Classe Operária evitava utilizar a palavra “camponês”, preferindo lançar mão dos termos “assalariados agrícolas”, “lavradores pobres”, “rendeiros”, “arrendatários”, “meeiros”, “terceiros” e “operários das usinas”. A título de ilustração, enquanto Brandão apresentava a foice como símbolo material da luta camponesa (BRANDÃO, 1926, p.139), A Classe Operária classificava-o como “symbolo do labor do operário agrícola” (A Classe Operária, 30/5/1925, p. 1). Somente na edição de 20 de julho de 1929 é que encontramos o uso do termo “camponês” para se referir à população rural. No artigo “Protestando contra as Perseguições Policaes – o Bloco Operário e Camponez está no cérebro dos trabalhadores e não nas quatro paredes da sede” (A Classe Operária, 20/7/1929, p. 4), o “camponês” foi classificado, em concordância com as interpretações da IC, como pequeno-burguês. Interpretação sem precedentes, uma vez que “massa camponesa” e “pequena-burguesia” apareciam, na obra de Brandão e nas resoluções do II e III congressos do PCB, como grupos distintos[10].
Na edição de 15 de fevereiro de 1930, o jornal noticiou a realização do “Congresso dos colonos e assalariados agrícolas”[11], no qual os operários agrícolas, pela “primeira vez” (A Classe Operária, 15/2/1930, p. 1), se reuniram para discutir a situação política do campo. O Congresso teria sido realizado na sede da União Geral dos Trabalhadores de Ribeirão Preto e contou com a participação de Minervino de Oliveira como secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT). Segundo a notícia, a reunião dos trabalhadores foi uma resposta às ações dos fazendeiros, que haviam se encontrado para discutir a redução dos salários e o estabelecimento de cadernetas de referência. Segundo os relatos, decidiu-se que uma comissão de assalariados agrícolas e colonos participariam do Congresso Sindical Regional do Estado de São Paulo e fundou-se um sindicato central, ligado à Confederação-Geral do Trabalho. Segundo a notícia, a repressão policial foi imediata, prendendo os membros da mesa e confiscando a resolução do Congresso. Na edição de 22 de fevereiro de 1930 (p. 2), publicou-se uma notícia com as questões discutidas no Congresso dos Operários Agrícolas e Colonos (como também era chamado), a qual, novamente, apresentava os “camponeses” como uma categoria específica. Sem qualquer explicação sobre as características desse grupo, apenas destacava que deveriam ser organizados e ligados à luta dos “proletários” da cidade e dos campos. Cabe ainda destacar que a realização desse Congresso influenciou a caracterização da população rural empreendida pelo periódico, que passou a utilizar a palavra “proletário” para se referir aos colonos e assalariados agrícolas (A Classe Operária, 17/4/1930, p. 2), já que esses dois grupos, ao adotarem estratégias de luta validadas pelo partido, demonstraram possuir consciência de classe[12].
O processo de proletarização do partido — em 1930, dirigentes de origem considerada “burguesa” foram substituídos por militantes operários (SOTERO, 2015) — e a maior interação com a população rural — como sugere a notícia supracitada — parecem ter contribuído para o refinamento analítico de A Classe Operária. A partir de 1930, fica nítida a inserção de novas categorias nas construções das análises publicadas: na edição de 27 de agosto de 1930 (p. 2), o artigo “Nos campos e fazendas” apresentou o “foreiro” ao público leitor, explicando, a partir do caso de uma fazenda em Itaboraí (RJ), as nuances da cobrança do foro; assemelhando-se às discussões realizadas na reunião ampliada da Executiva de 1923 e às categorizações da IC, os camponeses são divididos em “pobres” (A Classe Operária, 17/4/1930, p. 2), “médios” (A Classe Operária, 11/3/1935, p. 2) e “laboriosos” (A Classe Operária, 12/9/1934, p. 3) — sem muitas explicações sobre as principais características desses grupos, apenas destacavam que o “coiteiro” (aquele que fornecia abrigo aos cangaceiros) seria um “camponês médio” (A Classe Operária, 11/3/1935, p. 2); os cangaceiros, inicialmente demonizados, passaram a ser apresentados como camponeses que assumiram essa “forma primitiva de luta, luta ainda anarchica, isolada, individual” contra o regime feudal, por terem sido “escorraçados de suas terras” (A Classe Operária, 12/9/1934, p. 3).
Apesar dos avanços, a imprecisão no uso do termo permanecia. Nas edições de 1930, ora o termo “camponês” era utilizado como identidade coletiva da população rural (A Classe Operária, 3/7/1930, p. 1 e 3; 19/7/1930, p.1), ora servia para caracterizar uma camada específica do campo — como sugerem o trecho, “tomar as terras dos latifúndios, das fazendas, do Estado, confiscal-as e dividil-as por todos os camponezes, por todos os operarios agricolas” (A Classe Operária, 3/7/1930, p. 1), e a análise sobre a Primeira Conferência Nacional do Partido, que classificou o “camponês” como aquele que possuía terra (A Classe Operária, 1/8/1934, p. 7). Ademais, em alguns momentos, o termo foi empregado como sinônimo de “trabalhador da enxada”, expressão que era usada para se referir ao assalariado rural (A Classe Operária, 25/12/1935, p. 6).
Ao que parece, no final da década de 1930 os esforços para a construção de uma identidade coletiva em torno do conceito de “camponês” alcançavam seus primeiros resultados, pois encontramos o artigo “A exploração dos camponeses de Uberlândia”, o primeiro em que, supostamente, a população rural se apresenta como camponesa, assinando como “Um grupo de camponeses” (A Classe Operária, março de 1937, p. 4).
A década de 1950 e os avanços analíticos
Após a sua terceira conferência nacional (1946), quando a ampliação das organizações dos trabalhadores rurais foi definida como uma das diretrizes do partido e o latifúndio considerado um mal a ser combatido, o PCB passou a atuar de forma sistemática no campo. As primeiras iniciativas nesse sentido foram a criação das ligas camponesas comunistas e das irmandades. As irmandades pecebistas tiveram atuação efêmera e concentrada em Goiás[13], ao contrário das ligas, que, criadas em 1945, atuaram em Pernambuco, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Paraná e Minas Gerais, por meio da assessoria jurídica e do envio de memoriais aos poderes públicos (SANTOS, 2005)[14]. Concomitantemente a esse processo de atuação sistemática, as análises teóricas do partido sobre o campo brasileiro foram, aos poucos, transformando-se em estudos científicos[15].
Em agosto de 1947, o PCB lançou o periódico Problemas – Revista mensal de cultura política, que teve Carlos Marighella (até dezembro de 1949) e Diógenes Arruda (janeiro de 1950 a junho de 1956) como diretores[16]. A revista Problemas foi criada com o objetivo de fornecer subsídio teórico à denominada classe operária, uma vez que “já confirmada pelos fatos, de Lenin, de que sem teoria revolucionária não pode haver tampouco movimento revolucionário” (Problemas, “Apresentação”, agosto de 1947). Para tanto, apresentava textos sobre a conjuntura política internacional e nacional, transcrevia resoluções de congressos comunistas e textos de consagrados autores marxistas, leninistas e stalinistas — Stálin tinha papel de destaque na revista, não por acaso, a revista encerrou suas atividades pouco tempo após o XX Congresso do PCUS, ocasião em que as ações criminosas do governante da URSS foram expostas[17].
O artigo Reforma Agrária abriu a primeira edição da revista. Este texto, que era a publicação de parte do discurso de Prestes na Assembleia Constituinte de 1946, inaugurou uma nova utilização do termo “camponês”, que passaria a ser um conceito-chave das teses revolucionárias produzidas entre 1945 e 1964, estimulando a pressuposição imediata de tendências e padrões da população rural e do campo brasileiro. Nesse artigo, o termo “camponês” foi utilizado como metonímia de “feudalismo”, aproveitando a relação objetiva entre as duas palavras e a fácil associação de ideias. Para Prestes, o campo brasileiro era semifeudal, sem qualquer traço de práticas capitalistas: “o campônio brasileiro não é operário, não é um assalariado, nem ideológica e nem praticamente. É camponês, não recebe salário e é ele quem paga o arrendamento da terra com o seu trabalho ou com os produtos que retira da própria terra”; “nas grandes propriedades, ainda não predomina o assalariado” (Problemas, “A Reforma Agrária”, agosto de 1947). Essa construção político-discursiva do conceito de camponês não foi uma peculiaridade pecebista. Na Rússia, entre o final do século XIX e a década de 1920, diferentes teóricos, pertencentes à Academia Soviética da Agricultura e ao estratagema de estatísticos rurais, produziram dezenas de artigos e livros voltados à diferenciação camponesa, a fim de fomentar suas teses revolucionárias (SHANIN, 1983). Hoje, ainda, cientistas sociais, políticos, historiadores, economistas etc., também fazem uso do termo com o intuito de oferecer ordem e pressuposição imediata a suas análises (em sua maioria marxista). Esses estudos costumam partir de quatro itens para caracterizar os camponeses: a) indivíduos ligados aos meios de produção, utilizando força de trabalho familiar, e a propriedade assumindo posição de unidade básica da organização socioeconômica; b) não utilização da propriedade de maneira a expropriar os outros membros da sociedade (ou seja, utilização para subsistência); c) possuem lógicas temporais próprias, respeitando, por exemplo, o ciclo natural do meio ambiente para produzir; d) submetidos à opressão de forças estruturais.
Na edição de janeiro de 1948, encontramos o artigo “A queda da produção agrícola no Brasil”, escrito por Miguel Almeida. A priori, devemos destacar que esse artigo é parte dos esforços da revista em analisar as relações de produção no Brasil, pois, pautados nos elementos basilares do materialismo histórico (as relações de produção demarcam as relações sociais e políticas de cada formação social), acreditavam que assim conseguiriam explicar as condições de atraso do nosso país e os caminhos para mudança. Miguel Almeida corroborou os apontamentos de Prestes, ao caracterizar o campo como semifeudal e, consequentemente, analisar os problemas enfrentados pela população rural a partir da tríade monopólio de terra, arrendamento e ausência de salário:
Decorreram dois anos desde a apresentação desses argumentos e até hoje eles não receberam, como aliás não podem receber, qualquer contestação. Em seu conhecido discurso “O Problema da Terra e a Constituição de 46”, pronunciado da tribuna da Assembléia Constituinte em julho de 1946, Prestes analisou profundamente, com farta documentário colhido em fontes oficiais, o problema do latifúndio e provou novamente de maneira irrespondível que na grande propriedade semi-feudal está a causa maior do nosso atraso e do baixo rendimento da produção agrícola nacional.
O caráter semi-feudal da nossa agricultura é ainda comprovado pelo fato de que na maioria absoluta das propriedades não existe o pagamento em salários, como é próprio do regime capitalista, mas sim uma semi-servidão na qual os camponeses trabalham a terra em troca de produtos, com as características medievais da parceria que, no Brasil, assume as formas dos contratos de terça e de meação. Outra força generalizada de exploração semi-feudal, é o pagamento do arrendamento com o trabalho gratuito nas terras do fazendeiro, conhecido como as “diárias” na semana que muito se assemelham à “corvéia” feudal (Problemas, “A queda da produção agrícola no Brasil”, janeiro de 1948).
Outro ponto de semelhança entre as teses de Prestes e as de Almeida é o uso do termo “camponês” como metonímia da caracterização do campo como semifeudal (presença do monopólio de terra, arrendamento e pagamento in natura), exemplo:
Há, de um modo geral, dois tipos de grande propriedade individual da terra. Uma é a grande propriedade semi-feudal, cultivada por métodos extensivos, atrasada, explorando o camponês por formas medievais (...) A outra é a grande propriedade capitalista, submetida à lavoura intensiva, empregando uma técnica progressista em grande escala e explorando operários agrícolas aos quais paga em salários (Problemas, “A queda da produção agrícola no Brasil”, janeiro de 1948)[18].
Em 1950, o partido lançou o “Manifesto de Agosto” que, apesar de manter a tese da revolução etapista, refutava a aliança com a burguesia nacional — apresentando como aliados dos proletários urbanos, os trabalhadores rurais e os setores das classes médias urbanas — e criticava o caminho institucional para a realização de mudanças (SALES, 2005). Essas transformações teóricas refletiram nas proposições do partido para o campo brasileiro, que, na primeira metade dos anos 1950, propôs: a ampliação das organizações camponesas; a resistência armada do camponês; a desapropriação de terras para reforma agrária sem indenização ao proprietário; a extinção da meação, do foro, da terça, do vale-barracão e de todas as demais formas de prestação de serviços gratuitos; o fim do pagamento in natura (com participação no produto e/ou o direito de utilizar as terras do proprietário); a anulação de todas as dívidas dos camponeses; e a garantia à produção (MEDEIROS, 1983).
Em 1952, o PCB passou a se preocupar com a sindicalização dos trabalhadores rurais, tendo como referencial a ideia de que somente os assalariados agrícolas deveriam se filiar aos sindicatos, pois enxergavam nele uma única função: alcançar melhores condições de trabalho e salários (MEDEIROS, 1995; DEZEMONE; GRYNSZPAN, 2007). A luta por meio dos sindicatos era difícil, haja vista a necessidade de reconhecimento por parte do Ministério do Trabalho, que raramente concedia[19]. Outros fatores também contribuíam para o baixo número de sindicatos rurais. O próprio PCB afirmava ser difícil organizar esses trabalhadores em razão da dispersão, da negação de direitos, da intensa repressão, das migrações e da falta de tradição organizativa. Ademais, em concordância com a radicalidade presente nas teorias do partido e preocupados em instaurar o mais rápido possível a revolução, os pecebistas ao articularem um sindicato, sequer preocupavam-se em obter seu registro, prontamente queriam utilizá-los para lograr lutas armadas (MEDEIROS, 1995, p. 175). Nesse momento de mudanças, os artigos da revista Problemas atentavam para a essência “pequeno-burguesa” dos camponeses. Em 1950, o termo “camponeses trabalhadores” foi utilizado (Problemas, “Nossa Política: as tarefas atuais dos comunistas para a organização, a unidade e as lutas da classe operária”, outubro de 1950). Em 1951, Luiz Carlos Prestes, ao discutir a influência ideológica da pequena-burguesia no seio do PCB, destacou que “essa influência decorre das próprias características do proletariado brasileiro e do processo de formação de nosso Partido (...) Além disto, o proletariado brasileiro é de formação ainda recente e sua origem camponesa não pode deixar de exercer forte influência ideológica, trazendo para o seio do Partido diferentes opiniões não proletárias” (Problemas, “Nossa Política: estudar e aplicar as resoluções de fevereiro do Comitê Nacional para entrarmos no bom caminho da construção do Partido”, maio-junho de 1951).
Nos artigos da revista Problemas foi possível perceber um maior diálogo com autores marxistas clássicos[20]. Nas análises sobre as relações produtivas no campo, Kaustky e Lênin foram utilizados com frequência[21]. Tomemos o artigo de Miguel Almeida como exemplo. Ao discutir a renda da terra no Brasil, Almeida recorreu a um arcabouço teórico diverso para legitimar a importância da pequena propriedade campesina. Primeiro tomou como base as ideias de Adam Smith, que
dizia de referência aos grandes proprietários feudais que eles raramente introduziam melhoramentos na agricultura, porque contavam com o concurso de numerosos rendeiros obrigados a pagar aforamento e prestar serviços gratuitos, e partindo daí procurava demonstrar a vantagem do estabelecimento da propriedade camponesa independente (Problemas, “A queda da produção agrícola no Brasil”, janeiro de 1948).
Em um segundo momento, retomou as proposições de Kautsky, para afirmar que a pequena propriedade camponesa era mais produtiva que a grande propriedade feudal, pois os camponeses trabalhavam na segunda com a displicência que exige o trabalho forçado, enquanto na primeira eram mobilizados pelo interesse próprio e objetivo de melhorar a vida da família. Por fim, recorreu a Lênin, para legitimar o papel da pequena propriedade na consolidação da tese etapista, já que privaria o grande proprietário feudal do acesso ao trabalho não pago e, consequentemente, estimularia o desenvolvimento de forças produtivas, fundamentais para a consolidação do capitalismo no campo.
Embora não tenha sido citada, a tese de Kaustsky sobre os benefícios da pequena propriedade para os grandes proprietários capitalistas parece ter influenciado os exames de Prestes, como sugere o seguinte trecho:
É a agricultura da enxada, agricultura semelhante à do Egito dos Faraós da qual não podemos sair porque é impossível, é impraticável a aplicação da técnica agrícola enquanto existir essa massa de milhões de operários sem trabalho. Os agrônomos bem intencionados procuram a solução do problema na técnica, mas como aplicá-la? Para que adquirir a maquinaria se o dono da terra pode fazer a colheita sem empregar um centavo do seu capital? E esse capital vai ser utilizado em outras atividades: no comércio, na especulação de compra e venda de terras, no açambarcamento de produtos, na grilagem. O capital é elevado para a usura para os barracões dentro do latifúndio, mas, jamais, para a técnica agrícola (Problemas, “A Reforma Agrária”, agosto de 1947).
Almeida também dialogou com essa ideia, ao argumentar que o simples incentivo à mecanização da produção — como defendiam os setores patronais, que explicavam os problemas rurais pelo viés tecnicista — não aumentaria a produtividade rural, pois
pensar em mecanização da agricultura antes de tratar-se da Reforma Agrária é ou ignorância ou demagogia. Aos latifundiários não interessa empregar seu capital em máquinas agrícolas, que exigem inversões vultosas e não oferecem aumento imediato de lucros, quando é muito mais fácil para eles explorar os camponeses por processos semi-feudais, pagando-lhes em espécie ou com salários de fome que são absorvidos no “barracão” da fazenda (Problemas, “A queda da produção agrícola no Brasil”, janeiro de 1948).
Alberto Passos Guimarães, importante teórico pecebista, também utilizou Lênin como principal referência (SANTOS, 1996), em especial o Projeto de programa de nosso partido (1899) e O programa agrário da social-democracia na primeira revolução russa (1907)[22]. A intenção de Guimarães era a mesma de Lênin em suas primeiras obras: defender que o campo não abortaria o desenvolvimento do capitalismo no país e que não era tão estável ou homogêneo como alguns supunham, contando, inclusive, com fortes conflitos e desigualdades. Dessa forma, aproximando-se das divisões propostas pela IC, categorizou a população rural da seguinte forma: assalariados, que recebiam em dinheiro; semiassalariados, que recebiam parte em dinheiro e parte em produtos; camponeses pobres, “os quais nunca ou quase nunca admitem mão de obra assalariada” (GUIMARÃES, 1960, p. 107); camponeses médios, aqueles que utilizavam, em suas terras, mão de obra assalariada; e camponeses ricos, que promoviam a exploração capitalista da terra, empregando mão de obra assalariada e “processos de produção de nível técnico mais elevado” (GUIMARÃES, 1960, p. 107). Seguindo a linha da cientificização das análises do partido, Guimarães preocupa-se em desenvolver um diagnóstico mais atento à realidade do campo brasileiro e objetivo, superando as proposições daqueles companheiros “deformados pelo subjetivismo” (GUIMARÃES, 1963, p. 102). Por isso, defendia que o tamanho da propriedade também deveria ser considerado nessa categorização: camponeses pobres possuíam até 20 hectares de propriedade; camponeses médios, de 20 a 50 hectares; camponeses ricos, entre 50 e 500 hectares. Acima dos 500 hectares seriam as propriedades feudais e as aburguesadas.
Para Guimarães, o campo brasileiro era composto tanto por forças capitalistas como feudais, como sugere a caracterização das propriedades com mais de 500 hectares. Essa divisão foi estendida aos camponeses. Os camponeses de “formação burguesa” (“pequeno-burgueses” e “burgueses”) seriam todos “os que possuem o domínio ou a posse da terra (proprietários, arrendatários capitalistas, ocupantes ou posseiros)”. Já os camponeses “pré-capitalistas”, ou “semifeudais”, seriam
os trabalhadores rurais da categoria da renda-trabalho (“moradores”, “agregados” e todos os que realizam prestação de serviço gratuito ou semigratuito), os trabalhadores rurais da categoria renda-produto (meeiros dos diferentes tipos e os considerados pelo recenseamento como “parceiros”) e os trabalhadores rurais da categoria da renda-dinheiro (“rendeiros”, “foreiros” e arrendatários não autônomos ou semiautônomos como, por exemplo, muitos “arrendatários” do arroz, do algodão etc. (GUIMARÃES, 1960, p. 106).
Essa caracterização mista do campo e do campesinato é vital para a tese revolucionária defendida por Guimarães. Para o comunista histórico, o Brasil passava por uma “revolução nacional-democrática burguesa”, faltava definir o caráter anti-imperialista e antifeudal dessa revolução (SANTOS, 2008). Por isso, sua análise sobre o campo é pautada no destaque à presença de numerosos setores de origem pequeno-burguesa.
Apesar de utilizar o termo camponês para definir aqueles que possuíam terra, podendo ser “camponeses feudalistas” ou “burgueses”, ele dialoga com a tradição histórica pecebista de utilizar o termo como identidade política dos grupos oprimidos no campo, ao apresentar os conceitos de revolução e reforma agrária. Nas palavras de Santos:
distinguia as etapas conforme as tarefas programáticas (na primeira etapa, medidas para deter o imperialismo e impulsionar a revolução agrária que “não passará de uma reforma agrária inicial (e ainda não camponesa) que varra os vestígios caducos do escravismo e do feudalismo”; e numa segunda, tarefas visando extinguir a dependência e a “instituição de uma reforma agrária radical” de tipo camponês “que transformará por completo a estrutura agrária” (PASSOS GUIMARÃES, 1960; SANTOS, 2008, p. 47).
A construção em torno do conceito de camponês associado ao monopólio de terra, ao arrendamento e à ausência de relações monetárias ficou clara no texto “As Teses e a Revolução Brasileira (I)”, escrito por Caio Prado Jr. para a “Tribuna de Debates” do V Congresso do PCB[23]. Prado Júnior foi o principal defensor da tese de que o campo brasileiro era capitalista. Para ele, a percepção do Brasil como semifeudal se mostrava uma “conceituação teórica da revolução brasileira muito aquém do que se deveria esperar e daquilo que o momento exige” (Novos Rumos, 10 a 16 de junho de 1960, p. 3), pois se ressentia “de superficialidade e imprecisão na análise dos fatos econômicos, sociais e políticos: frequentemente essa análise se faz ambígua e incoerente e descamba mesmo não raro, para apreciações positivamente falsas” (Novos Rumos, 10 a 16 de junho de 1960, p. 3). Em sua opinião, o emprego da expressão “monopólio de terra” era vazio, por não precisar do que se tratava — para ele, existia uma concentração de propriedades em poucas mãos.
A ideia de que o arrendamento da terra era onipresente foi utilizada para definir o Brasil e a relações entre os proprietários e a população rural como semifeudais. Prado Jr. criticou essa ideia. Baseando-se no recenseamento de 1950, afirmava que o arrendamento era uma excepcionalidade, pois “num total de 2.064.642 estabelecimentos agropecuários do país, que ocupavam 232.211.108 hectares, apenas 186.949 estabelecimentos, cobrindo 12.946.538 hectares, se encontravam em regime de arrendamento” (Novos Rumos, 10 a 16 de junho de 1960, p. 3). Além disso, ele destacou que o número de assalariados (3.729.244) era três vezes maior do que o de parceiros (1, 245, 557).
A interpretação da relação entre os arrendatários e os proprietários como “servil” foi o terceiro aspecto discutido por Prado Júnior. Em sua opinião, a relação entre eles era como a existente entre os assalariados e os empregadores, porém com o arrendatário recebendo um pedaço de terra para plantar, em vez de salário. Além disso, o pagamento em dinheiro era o que ditava as relações entre os proprietários e os prestadores de serviço, somente em momentos de dificuldade financeira que a remuneração das prestações de serviço era in natura. Do desmembramento dessa crítica, ele defendeu que o trabalho gratuito, apontado como uma das principais características do campo semifeudal, era uma rara exceção.
Por buscar demonstrar e caracterizar o campo como capitalista, Prado Jr. evitou utilizar o termo “camponês”. Para ele, em primeiro plano, todos eram assalariados, sendo os “moradores de condição”, “foreiros”, “colonos”, “arrendatários” e “parceiros” ocupações temporárias decorrentes da forma de pagamento ao primeiro — retomando, a concessão de terras para cultura própria era interpretada, pelo autor, como uma forma de remunerar um serviço e garantir a estabilidade da força de trabalho ao fixar o trabalhador rural na região.
As declarações do comitê central e as resoluções do congresso do PCB não reproduziram esses debates e formulações, optando por simplificar as análises e transmitir, por meio da pressuposição imediata, segurança aos militantes e filiados. Grande parte das declarações do IV Congresso (1954), a “Declaração de Março de 1958” e a resolução do V Congresso (1960) empregaram o termo “camponês” como identidade coletiva e metonímia da caracterização feudal do campo brasileiro. Por exemplo:
A população camponesa, constituída por milhões de meeiros, agregados, arrendatários, sitiantes, posseiros, colonos, assalariados agrícolas, vaqueiros, peões, etc., que representa 63% da população brasileira, na sua maior parte não possui terra e vive brutalmente explorada, privada de quaisquer direitos e submetida ao arbítrio dos donos dos latifúndios, seja nas fazendas, estâncias de criação de gado, engenhos ou usinas de açúcar. Milhões de camponeses vivem na miséria, abandonados ao analfabetismo, vítimas de endemias, descalços e seminus, morando em choupanas (Problemas, “Programa do Partido Comunista do Brasil”, dezembro de 1954- fevereiro de 1955).
A exceção foi Oto Santos (pseudônimo utilizado por Calil Chade[24]), que, durante o IV Congresso, dividiu os camponeses em: “sem terra”, “pobres”, “médios” e “ricos”. Porém, não detalhou os marcos dessa diferenciação — como fez Guimarães —, apenas destacando que os camponeses pobres, médios e ricos eram aqueles que possuíam terras com menos de 500 hectares: “Cerca de 1.995.000 proprietários, possuidores de áreas de terra inferiores a 500 hectares, são donos de 37% da área global das propriedades agropecuárias. Na sua grande maioria esses proprietários constituem a massa de camponeses pobres, médios e ricos, possuidores de terra própria.” Além disso, reproduzia as interpretações clássicas da IC, ao destacar que os camponeses ricos atuavam como exploradores da população rural: “Mesmo naquelas economias onde maior tem sido a penetração capitalista, subsistem restos feudais e escravistas, utilizados pelos latifundiários e pelos camponeses ricos para arrancar maior renda da terra e maiores lucros” (Problemas, “O Programa do Partido, a questão agrária, a organização e a luta dos camponeses”, dezembro de 1954-janeiro de 1955).
Além das construções analíticas, o maior contato dos quadros do PCB com a população rural resultou também no refinamento das construções discursivas. Como destacaram os estudos do Círculo de Bakhtin, todo signo precisa de materialidade para se representar e ter legitimidade, pois é necessário alcançar o horizonte material do grupo “receptor”. Nesse sentido, o PCB soube identificar bem elementos do dia a dia da população rural que serviriam para legitimar sua caracterização do campo e suas palavras. Ao contrário do que uma interpretação eurocêntrica poderia sugerir, a foice foi pouco utilizada nesse sentido — como vimos em Brandão e em A Classe Operária. O PCB recorria à identidade racial negra, aos objetos do passado escravocrata (o tronco, as correntes e a chibata), à enxada[25] e ao cigarro de palha. Uma vez que o uso da identidade negra será analisado no próximo tópico, apresentaremos o simbolismo do cigarro de palha. Ancorando-se na oposição de hábitos e necessidades, o periódico conferia ao charuto a simbologia da ostentação e do autoritarismo em oposição à simplicidade genuína do cigarro de palha, comumente utilizado pelos trabalhadores rurais. As piadas e as charges tiveram papel fundamental nessa construção.
Você sabia que o charuto fumado pelo presidente Getúlio Vargas custa 60 cruzeiros e que ele fuma 10 charutos por dia, segundo informações publicadas pelo jornal “Última Hora”? (Terra Livre, 2ª quinzena de julho de 1954, p. 2).
O Tatuirão e ditinho.
O Tatuirão parou o carro de luxo e tirando o charuto de 80,00 da boca esbravejou:
– Ditinho, abra aquela porteira!
– Não abro nada...
– Você não sabe que quem manda aqui sou eu?
– Então mande a porteira abrir-se sozinha... (Terra Livre, 1ª quinzena de julho de 1954, p. 2, grifo nosso).
Apesar dos avanços analíticos, a população rural continuou sendo observada como politicamente inferior. Miguel Almeida caracterizava o trabalhador rural como “faminto, doente e ignorante” (Problemas, “A queda da produção agrícola no Brasil”, janeiro de 1948). O Terra Livre publicava conteúdos que reforçavam a posição dos trabalhadores urbanos como orientadores e despertadores da consciência de classe entre os assalariados rurais. A tirinha encontrada na página 3 da edição da primeira quinzena de novembro de 1955 representa bem essa caracterização, pois narra a trajetória do trabalhador rural João Carreiro, que somente despertou para as possibilidades de luta e resistência durante uma visita à cidade, quando escutou e conversou com um farmacêutico, um alfaiate e um carpinteiro.
A continuidade da escravidão
O ponto de alinhamento e de maior precisão entre as resoluções pecebistas, as construções dos intelectuais comunistas e a imprensa operária era a utilização dos signos do período escravocrata para descrever a vida da população rural. Grande parte dos artigos de A Classe Operária fazia referência à ideia de continuidade da escravidão. Por exemplo, na edição de 27 de agosto de 1930, ao descrever a vida dos foreiros, enfatizou-se: “assim vivem os brazileiros escravizados no seu proprio paiz e pelos seus proprios irmãos!” (A Classe Operária, 27/8/1930, p. 2). Já na edição de 13 de junho de 1925, o correspondente José Alvez, do estado do Rio Grande do Norte, ao descrever o cotidiano dos trabalhadores rurais da região, também utilizou signos relacionados ao período escravocrata: “trabalham nos campos, sujeitos ao chicote do ‘feitor’ ou directamente dos proprietários de terra” (A Classe Operária, 13/6/1925, p. 2). Outro exemplo, na edição de 27 de junho de 1925, a “Vanguarda dos trabalhadores do campo do Rio Grande do Norte”, que assinou o artigo “Nos campos do Rio Grande do Norte” (A Classe Operária, 27/6/1925, p. 2), caracterizou o trabalhador rural como escravo: “Então a nossa vida é um horror de sofrimento. Escravos do bodegueiro e do senhor das terras”. Por vezes, ao falar sobre o regime feudal nos campos, o periódico utilizava o termo “feudal-escravagista” (A Classe Operária, 11/3/1935, p. 2; 19/7/1930, p. 1).
O uso das experiências negras nas argumentações de Brandão foi recorrente. Além da caracterização do trabalhador rural como negro — destacada no início deste tópico —, o autor classificou Pernambuco como um estado “escravizado pelos usineiros”, atentando para a relação hereditária entre os “barões feudais” e os antigos proprietários de escravos, perseguidores dos “rebeldes palmarianos”; ao falar sobre os políticos brasileiros — “martirizadores do proletariado” (BRANDÃO, 1926, p. 125) —, destacou o “sangue do feitor e do capitão do mato” (BRANDÃO, 1926, p. 125) que corria em suas veias, caracterizando-os como descendentes dos “caçadores de índios como Antônio Raposos e de caçadores de negros como Domingos Jorge Velho” (BRANDÃO, 1926, p. 125); caracterizou os comunistas adeptos da Terceira Internacional como descendentes de Zumbi e Castro Alves, ao passo que as manifestações religiosas de matriz africana eram tratadas como resultado da “conciliação entre o fetichismo e o catolicismo” (BRANDÃO, 1926, p. 49), simbiose símbolo da mentalidade “feudal” da população brasileira.
Nos documentos do comitê central, tal estratégia argumentativa apareceu pela primeira vez em 1928, nas resoluções do III Congresso, quando se observou as “condições de semiescravidão em que vivem os trabalhadores agrícolas”. A “Resolução sobre a questão camponesa no Brasil”, publicada em 1929, também tratou da questão da “semiescravidão”. Esta resolução é o primeiro exercício pecebista de análise sistemática do campo, em que foram estabelecidas, simultaneamente, diretrizes nacionais (no total de 13) e regionais (17). As propostas não diferiam da agenda apresentada pelo BOC, permanecendo ligadas às propostas leninistas do IV Congresso da IC: aumentos salariais, incentivo à formação de cooperativas de produção e consumo, saneamento básico, fornecimento gratuito de utensílios de trabalho, liberdade de associação, ajuda gratuita para o combate a pragas, liberdade de voto, conservação de estradas e benfeitorias, arrendamentos a preços módicos e assistência médica. O “combate enérgico e decisivo às reminiscências da escravidão” (PCB, 1929, p. 39) foi considerado consigna imediata para o plano nacional e para as regiões Norte e Nordeste e para os estados de Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, onde os “assalariados ou semi-escravos são explorados em todas suas formas, trabalhando dia e noite, sob sol e chuva, sem nenhum direito” (PCB, 1929, p. 42). Cabe destacar que esta resolução retificava a intenção do comitê central de transformar a palavra “camponês” em uma identidade coletiva, ao utilizarem-na somente no título — as categorias apresentadas e analisadas nesse documento foram os assalariados agrícolas, pequenos proprietários e colonos.
Nas décadas de 1950 e 1960, as experiências negras continuaram presentes nos discursos pecebistas para, e sobre, o campo. Para entender um pouco mais a respeito desses usos, devemos recorrer às discussões da IC. A resistência do partido em reconhecer a discriminação racial no Brasil e em desenvolver trabalhos voltados à organização da população negra desagradava a Internacional Comunista. Entre 22 de outubro e 5 de novembro de 1929, membros do partido participaram de uma reunião, em Berlim, onde foram pressionados a promover ações voltadas à população negra. Stoian Minev, dirigente do Secretariado Latino da IC, atentou para o quadro de desigualdade racial presente no Brasil, que reservava aos negros os postos de trabalho com menor prestígio e remuneração; e os excluía do processo político formal, pois a alfabetização, requisito para participação, não era a realidade de grande parte da população negra (SOTERO, 2015).
Em fevereiro de 1930, outra crítica foi formulada. O Secretariado Político da IC publicou uma resolução indicando as deficiências do partido e exigindo mais empenho na organização desse grupo (CHADAREVIAN, 2012). Em 1931, o Bureau Sul-Americano, influenciado pelo avanço da recém-fundada Frente Negra Brasileira (FNB), sinalizou a necessidade do PCB estabelecer relações com as organizações negras nacionais e elaborar uma plataforma capaz de superar a subrepresentatividade do negro no partido (SOTERO, 2015). Por acreditar que a atuação da FNB contribuía para a fragmentação da classe operária ao disseminar ideias reformistas condizentes com os interesses burgueses estadunidenses, o PCB tentou se aproximar dos frentenegrinos, mas suas proposições não foram bem recebidas — a iniciativa dos comunistas foi classificada como panfletária, preocupada somente em aumentar o número de filiados, sem desenvolver propostas sólidas para a superação dos problemas enfrentados pelos negros (GRAHAM, 2014). A sistemática pressão da IC, somada ao fortalecimento de grupos políticos negros nacionais, à significativa presença negra entre os trabalhadores urbanos (GRAHAM, 2014) e à proletarização do partido, contribuiu para que o PCB, alinhavado com as diretrizes do VI Congresso, estabelecesse a autodeterminação da população negra como agenda a partir de 1931 (SOTERO, 2015).
O exame de Lênin, na obra Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América, balizou as formulações teóricas do PCB sobre as questões negra e agrária. Nessa obra, o teórico comunista considerava a situação degradante vivenciada pelos negros estadunidenses como resultado, único e exclusivo, da opressão de classe, viabilizada pela estrutura agrária semifeudal ou semiescravista sulista (termos utilizados como sinônimos na obra), baseada no arrendamento, que os mantinha economicamente dependentes da burguesia branca (LÊNIN, 1980). O PCB, por sua vez, defendia que os problemas enfrentados pela população negra eram mais acentuados no campo — onde vivia a maior parte desse grupo, cujos membros, apesar de transformados em servos, eram atingidos pela sobrevivência da escravidão —, vislumbrando na revolução democrático-burguesa a primeira etapa da luta contra a discriminação racial, uma vez que a substituição da classe feudal latifundiária pela burguesia industrial promoveria a modernização das relações salariais e do campo, extinguindo, assim, a servidão dos trabalhadores rurais (CHADAREVIAN, 2012). A presença majoritária de negros entre os trabalhadores rurais influenciou as estratégias argumentativas do Terra Livre.
O Terra Livre (1954-64) era o principal instrumento de veiculação das ideias do PCB no campo brasileiro, possuindo tiragem de trinta mil exemplares e inserção em diferentes regiões do Brasil, com sucursais em Pernambuco (1954), Ceará (1955) e Paraná (1955), bem como corretores de assinaturas nos estados de Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Paraná, São Paulo, Amazonas, Mato Grosso, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pará, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília, e correspondentes nos já citados, além de Maranhão, Paraíba, Piauí e Sergipe. Este jornal era ligado à União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab). Durante a II Conferência Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (1954), membros do PCB, influenciados pelas ideias discutidas na I Conferência Internacional da União Internacional dos Sindicatos de Trabalhadores na Agricultura, Florestas e Plantações (Viena, 1953), decidiram criar a Ultab para coordenar as associações de trabalhadores rurais já existentes, tanto as de assalariados agrícolas como as de camponeses, em torno de campanhas pela reforma agrária, pela extensão dos direitos trabalhistas ao campo e pelo congelamento de preços (COSTA, 1990). Dois dos três presidentes da Ultab eram negros: Geraldo Tiburcio e Lyndolpho Silva. Esse dado não poderia ser diferente, pois estamos falando de uma categoria social que, apesar de comumente tratada sob a insígnia geral e uniforme de “trabalhadores rurais”, era composta, majoritariamente, por pretos e pardos.
Geraldo Tiburcio nasceu em 30 de agosto de 1924, no município de Catalão (GO). Filho dos arrendatários João Tiburcio e Antonieta Agostinho, ainda criança começou a trabalhar nas fazendas da região. Sua vida foi marcada por migrações sazonais, como grande parte da população rural que vivenciava os processos de intensificação da exploração e, consequentemente, da miséria, migrando para áreas urbanas em busca de melhor qualidade de vida e mais oportunidades de emprego. Tiburcio alternou a ocupação dos cargos de servente de pedreiro, garimpeiro na Chapada dos Veadeiros, peão de boiadeiro e operário nas charqueadas e curtumes de Catalão, com a condição de meeiro, que desempenhava quando desempregado. Em 1949, as migrações de Tiburcio cessaram, pois conseguiu um lote na Colônia Agrícola Nacional de Goiás — criada, em 1941, como parte integrante do projeto varguista de expansão da fronteira agrícola nacional (CASTILHO, 2012). Nesse momento, aproximou-se da “União dos Camponeses de Goiás”, onde ocupou os cargos de secretário-geral e presidente. Durante os anos em que esteve à frente dessa associação, Tiburcio, apesar de começar a frequentar a escola aos 12 anos de idade e por pouco tempo, fundou o periódico Ranca Toco, canal de denúncia da violência sofrida pela população rural na região. Em 1954, concorreu à vaga de deputado na Assembleia Legislativa de Goiás. Sua candidatura teve significativa repercussão no Terra Livre, que utilizou diferentes recursos para legitimá-la, a saber, o destaque à sua “inteligência e capacidade” (Terra Livre, segunda quinzena de julho de 1954, p. 2), ilustradas na participação como presidente de uma das sessões do IV Congresso da Confederação dos Trabalhadores da América Latina (Chile, 1953); sua atuação à frente do periódico Ranca Toco; a publicação da sua biografia no formato de história em quadrinhos. A narrativa da tirinha biográfica girava em torno da sua origem campesina e da sua raça, corroborando o argumento central da campanha iniciada pelo periódico: eleger o primeiro camponês “filho da raça negra” ao cargo de deputado estadual de Goiás (Terra Livre, segunda quinzena de setembro à primeira quinzena de outubro de 1954, p. 2).
Embora Tiburcio não tenha sido eleito deputado, o esforço do Terra Livre provavelmente influenciou na sua nomeação para presidente da Ultab, após escolha unânime dos 303 participantes da II Conferência Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (1954). Entre 1954 e 1959, quando esteve à frente da Ultab, Geraldo Tiburcio presidiu a Campanha Nacional pela Reforma Agrária[26], auxiliou na fundação de sindicatos[27], visitou a URSS e a China — para melhor compreender os processos de reforma agrária ali desenvolvidos e foi eleito membro do Conselho Mundial da Paz (Terra Livre, segunda quinzena de novembro de 1955, p. 1). Em 1962, Tiburcio voltou a ocupar as páginas do Terra Livre, agora como vereador mais votado da cidade de Anápolis (GO). Mais uma vez a identidade racial de Tiburcio foi o eixo da argumentação desenvolvida pelo periódico, que transformou a tentativa dos latifundiários de “depreciar a cor” de Tiburcio, ao caracterizá-lo como “preto, pobre e comunista” (Terra Livre, novembro de 1962, p. 8), em slogan aglutinador de sua luta: “Geraldo Tibúrcio, um dos grandes líderes populares de Goiás. Vereador mais votado de Anápolis, ganhou a confiança do eleitorado declarando-se ‘preto, pobre e comunista’” (Terra Livre, dezembro de 1963, p. 2, suplemento especial).
No período em que Geraldo Tiburcio foi presidente da Ultab, outro negro fazia parte do comitê executivo da associação, Lyndolpho Silva, como secretário-geral. Desde os primeiros anos da década de 1950, quando começou a fomentar a sindicalização de trabalhadores rurais em Santíssimo, Campo Grande e Senador Camará[28], Silva teve grande destaque na organização política da população rural. Em 1959 assumiu a presidência da Ultab, na qual se manteve até dezembro de 1963, quando começou a presidir a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (Contag). A larga experiência de luta e legitimidade entre os trabalhadores rurais influenciou a sua escolha como colunista do periódico Terra Livre. Lyndolpho Silva assinava a coluna “Conheça os seus direitos”, em que versava sobre a importância da Lei do Inquilinato e da regularização dos contratos de arrendamento para o desenvolvimento da luta pela posse da terra, o direito à sindicalização, a extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores rurais, a regulação das parcerias agrícola e pecuária e a previdência social para os trabalhadores rurais. Essa coluna era um dos elementos-chave da estratégia pecebista de organização, pois, além de orientar os trabalhadores rurais sobre os direitos conquistados, legitimava juridicamente sua agenda de luta no campo, item fundamental para uma categoria que considerava a “questão legal e mesmo jurídica (...) valor cultural de primeira grandeza” (TEIXEIRA, 2012, p. 144). O protagonismo teórico desse comunista histórico pode ser mais bem verificado quando observamos o status daquele que assumiu o espaço a partir de janeiro de 1963, o advogado e procurador da Superintendência da Política de Reforma Agrária (Supra), Cícero Viana.
O Terra Livre preocupava-se em ir pela contramão da caracterização homogeneizadora dos trabalhadores rurais. Apesar de tentar criar uma linguagem de classe inserindo-os em uma “rede mais ampla, que mostrava situações semelhantes à sua e, através desse espelhamento, indicava sua crueza, generalidade e possibilidades de alteração” (MEDEIROS, 1995, p. 77), o Terra Livre atentava para a raça dos trabalhadores, como é possível perceber na Figura 1.
Figura 1: Característica racial.
Fonte: Terra Livre, julho de 1961, p. 4.
A identidade racial também permeava a parte textual do periódico, que relacionava a opressão racial à exploração de classe, como é possível perceber na piada publicada na edição de março de 1960, a qual classificou o latifundiário como “branco rosado” e o camponês como “nêgo velho”:
Não havia pergunta maliciosa ou dito visando ofender Julião, que não encontrasse do velho camponês uma pronta resposta. Um dia percorrendo janela por janela do trem de passageiros, para oferecer seu milho cozido, deparou com um branco rosado e de barriga grande, viajante de 1ª classe, decerto um latifundiário.
– Ô moço, olha o milinho cozido. Dois cruzeiros a espiga. Vai uma?...
– Sai daí nêgo velho. Quem come milho é cavalo – respondeu o viajante. Bem não come...?
– UAI! E burro também come?... (Terra Livre, março de 1960, p. 5)
Apesar dos conceitos “servidão” e “feudalismo” terem sido utilizados para caracterizar o campo brasileiro, eram vocábulos restritos aos debates teóricos do partido. Quando se tratava de organizar os trabalhadores rurais e mobilizar a opinião pública, a palavra “servidão” era substituída por “escravidão”. Remeter a um período trágico para os ancestrais dessas pessoas foi uma importante estratégia de discursiva. Para tanto, classificavam o trabalhador rural como escravo do latifúndio e do imperialismo estadunidense; caracterizavam a opressão patronal a partir de práticas do regime escravocrata, enfatizando, simbolicamente, o uso do chicote — por exemplo, “ficando o trabalhador que se rebelar, sujeito a castigo de 30 a 100 chicotadas” (Terra Livre, abril de 1963, p. 4) e “submetidos a um regime escravo de chicote” (Terra Livre, julho de 1961, p. 1) —; publicavam charges que retratavam o trabalhador rural acorrentado ao tronco, como mostra a Figura 2.
Figura 2: Escravização do trabalhador rural.
Fonte: ‘Terra Livre’, janeiro de 1963, p. 2.
Tirinhas também eram publicadas com o intuito de reforçar a ideia de permanência do regime escravista. Na primeira quinzena de junho de 1955, o jornal publicou a história de Castro Alves, optando por apresentar o papel dos escravizados na promulgação da abolição e atentar para a linhagem da classe dominante brasileira, ao defender que os latifundiários eram “filhos e netos dos senhores de escravos” (Terra Livre, primeira quinzena de março de 1955, p. 3). Na primeira quinzena de julho de 1954, o periódico publicou uma adaptação do romance Cabana do Pai Tomás. A forma como a adaptação foi concluída ressalta a ideia de continuidade das práticas escravocratas:
Georges mandou cavar uma sepultura, à sombra de uma árvore, e ali enterrou Pai Tomás. Porém, nas outras plantações, os negros, cansados de ser explorados, torturados e separados de sua família, têm ainda que travar uma longa luta para serem reconhecidos como homens livres. E, hoje, sua luta continua (Terra Livre, segunda quinzena de junho à primeira quinzena de julho de 1954, p. 1, grifo nosso).
Entre 1930 e 1960, diferentes setores do partido fizeram uso da ideia de continuidade da escravidão como estratégia para organizar a população negra. Como destacamos no início do artigo, as primeiras ações que expuseram a preocupação do PCB com a questão racial no Brasil envolveram conclamações pautadas na construção dessa continuidade: “Trabalhadores Negros! – a vossa escravidão continua! Lutai em conjunto com os demais trabalhadores contra a exploração feudal, por vossa libertação definitiva” (A Classe Operária, 19 de julho de 1930, p. 1). Outro exemplo de utilização dessa estratégia foi o manifesto da Aliança Nacional Libertadora — movimento ligado ao PCB —, que enfatizava a implantação de um governo popular como condição sine qua non para o reconhecimento dos direitos dos negros e consequente consolidação da sua liberdade (SOTERO, 2015). A ALN também publicou, no dia 13 de maio de 1935, o panfleto “Salve, 13 de Maio!”, em que compara a exploração durante a escravidão com a opressão imperialista (SOTERO, 2015). No ano de 1938, um folheto da Federação da Juventude Comunista do Brasil comparava Vargas a um feitor (SOTERO, 2015). Em 1939, Aristeu Nogueira, membro efetivo do comitê estadual do PCB (BA), publicou artigo na revista Seiva, no qual reforçava a ideia que o trabalhador livre nas fazendas do nordeste baiano continuava escravo (FERREIRA, 2012, p. 92). Em 1946, o discurso proferido por Claudino José da Silva, negro e deputado federal, também era pautado nessa relação: “Hoje, temos aqui reunida uma Assembleia Constituinte (...) Bem poderia ela concorrer, e de maneira decisiva, para completar, no Brasil, a libertação dos escravos. (Muito Bem). Agora não são apenas os negros cativos, mas toda uma população de trabalhadores agrários que vive em situação muito pior que a dos escravos. (Palmas)” (BRASIL, 1948, p. 33, grifo nosso).
O periódico publicava cartas e depoimentos que denunciavam o trabalho escravo no campo brasileiro. Na segunda quinzena de abril de 1955, o periódico publicou a denúncia “Vendido como Escravo”, em que o trabalhador rural Pedro Rafael de Lima, natural do Rio Grande do Norte, narra o seu processo de escravização. Os trechos dessa denúncia necessitam ser destacados, haja vista a proximidade com práticas ainda comuns na sociedade brasileira, como a ação dos agenciadores, a venda de pessoas e a restrição da sua locomoção em razão da dívida contraída com o empregador:
Saí do Rio Grande do Norte em outubro de 1953, em cima de um pau-de-arara. O proprietário do caminhão, que me trouxe, se chama Chico Binho, morador em São Vicente (...) não paguei nada pela viagem. O dono do caminhão já tem contrato com os fazendeiros do Sul para não cobrar nada, a fim de que o pessoal fique escravizado (...) fui vendido por 850 cruzeiros (Terra Livre, segunda quinzena de abril de 1955, p. 4).
Os comunistas brasileiros expuseram a URSS como lugar de fartura, alegria e plenitude, onde as terras eram coletivas e a agricultura mecanizada, o que aumentava a produtividade e diminuía o esforço do camponês (SOARES, 2011). Essa propaganda também foi estendida à questão racial. No início dos anos 1930, a URSS era apresentada como o único lugar do mundo que concedia direitos aos negros e não existia discriminação racial (GRAHAM, 2014). O Terra Livre também assinalou o modelo socialista como a única forma de governo capaz de superar os problemas raciais, porém, não foi a URSS o país considerado modelo no tratamento das relações raciais, e sim Cuba. Uma das formas encontradas para legitimar as mudanças empreendidas durante a revolução cubana consistia em destacar o reconhecimento dos direitos dos negros à igualdade civil, social e política.
O combate ao racismo era utilizado tanto para legitimar como criticar sistemas políticos. Dentro de um jornal voltado à questão agrária, era possível encontrar notícias sobre as manifestações pelos direitos civis e a violência contra negros nos Estados Unidos. A apresentação das perseguições sofridas pelos negros estadunidenses era a principal estratégia empregada pelo periódico para deslegitimar o american way of life. O lúdico foi um importante recurso utilizado nessa estratégia argumentativa. O periódico possuía o espaço “Pequeno Almanaque de Terra Livre” destinado à publicação de orientações agropecuárias, piadas, indicações bibliográficas, fábulas, conselhos caseiros, charges, tirinhas, horóscopo e cuidados médicos. Esse espaço continha a coluna fixa “Você Sabia?”, dedicada à apresentação das características do corpo humano, do planeta terra e de diferentes grupos sociais, mas também era utilizada para criticar as ações do imperialismo estadunidense: “você sabia que nos Estados Unidos, apesar de ter sido abolida há dezenas de anos a escravidão, os negros continuam sendo perseguidos e em muitos Estados não podem frequentar as mesmas escolas dos brancos, os mesmos cinemas, hotéis e etc.?” (Terra Livre, segunda quinzena de dezembro de 1954, p. 2); “você sabia que os negros nos Estados Unidos até na Igreja são obrigados a sentarem-se atrás e bem separados dos brancos?” (Terra Livre, julho de 1963, p. 4).
Considerações Finais
Apresentamos novos caminhos para pensar o campo brasileiro a partir da superação da negligência, flagrante na historiografia, em relação ao caráter racial dos trabalhadores rurais. Identificamos como diversas experiências negras (em especial, os limites da abolição, o passado escravista recente e o racismo) foram traduzidas em discursos de arregimentação — tão importantes quanto às retóricas recorrentemente enfatizadas pelas pesquisas (reforma agrária, extensão dos direitos trabalhistas e educação) —, empregados para mobilizar a luta, angariar votos, enaltecer e criticar regimes políticos, denunciar a precarização do trabalho e a violência no campo, e legitimar pautas e agendas.
As condições de trabalho impostas à população rural, marcadas pela ausência de legislação trabalhista — que viria ocorrer somente em 1962, com o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) —, por novas formas de escravização e pela permanência de signos escravocratas, como a sobrevivência da figura do “capataz” (CEREDA, 2017), ofereceram legitimidade e ressonância aos discursos sobre a continuidade da escravidão. Ainda dialogando com essas características do mundo do trabalho rural, o PCB tentava ampliar a qualidade dos receptores desses discursos, ao atentar para a existência de uma “nova escravidão”, estendida à população rural como um todo, a exemplo da Figura 5 (o indivíduo que está sendo açoitado, no tronco, não é negro) e do discurso proferido por Claudino José da Silva: “Agora não são apenas os negros cativos, mas toda uma população de trabalhadores agrários que vive em situação muito pior que a dos escravos”[29].
Além da influência na formulação das estratégias argumentativas, nosso artigo buscou apresentar o protagonismo da população negra na direção das associações rurais ligadas ao PCB, por meio das trajetórias dos presidentes da Ultab, Geraldo Tiburcio e Lyndolpho Silva. Demos maior ênfase à trajetória de Tiburcio, pois os usos da sua condição de negro para angariar votos e legitimar sua atuação no meio rural corroboram nossa hipótese de que: a identidade negra, em seus múltiplos aspectos, foi uma importante bandeira de organização popular no campo brasileiro.
À medida que o PCB intensificava a inserção no campo, os teóricos do partido abandonavam, paulatinamente, o trato monolítico das categorias rurais, identificando diferentes grupos que deveriam ser mobilizados levando em conta suas particularidades, caso o partido quisesse garantir o sucesso dos seus projetos políticos. Apesar do avanço e refinamento, os teóricos ainda encontravam dificuldades em trabalhar com as dinâmicas do mundo do trabalho rural, por isso, tratavam as palavras “trabalhadores rurais”, “assalariados agrícolas” e “camponeses” como sinônimos (MEDEIROS, 1995) e recorriam à identidade étnica como safety point para a elaboração de palavras de ordem e análises da situação do campo brasileiro. Arriscamos dizer que a questão étnica até mesmo influenciou a construção das primeiras organizações rurais pecebistas do período pós-1945, pois não podemos esquecer que é lugar comum na historiografia considerar as irmandades (primeira forma de atuação comunista no campo no período pós-1945) como forma organizativa comum à população negra, principalmente durante o período da escravidão.
A caracterização dos camponeses como indivíduos inferiores politicamente e encharcados com o espírito pequeno-burguês tornou-se um verdadeiro paradigma do pensar marxista sobre o campo, que oferecia respaldo à desmotivação comunista em se envolver com qualquer coisa que não fosse o proletariado urbano, além de ser uma excelente justificativa para aqueles que não reconheciam as limitações do arcabouço teórico marxista. O PCB definia os camponeses como sujeitos dependentes dos estratos urbanos para desenvolverem, de maneira plena, sua consciência política, seu potencial revolucionário e sua libertação do latifúndio, ademais, não os reconheciam como classe.
Por fim, a relação entre a característica negra dos trabalhadores rurais e a ideia de libertação exógena da população rural reflete-se no uso, pelas Ligas e pelo PCB, das figuras de Castro Alves e Joaquim Nabuco como símbolos de luta, personagens “ilustrados” e de origem citadina, enquanto raramente a figura de líderes como Zumbi era invocada.
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Novos Rumos
Problemas: revista mensal de cultura política
Terra Livre
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Recebido em setembro de 2019.
Aceito em novembro de 2019.
[1] Pesquisa desenvolvida com apoio financeiro da Capes.
[2] Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: max_fcp@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1498-7542.
[3] Os congressos da IC foram permeados por debates em torno do caráter revolucionário dos camponeses, apesar destes terem contribuído de maneira decisiva para o sucesso da Revolução Russa (1917). Em linhas gerais, os presentes nesses congressos enxergavam nos camponeses o individualismo pequeno-burguês e a predisposição a serem organizados pela burguesia, por isso consideravam fundamental se aproximar desse grupo com o intuito de “neutralizá-los” (RIZZI, 1985). Além disso, defendiam que o operariado urbano seria capaz de “sozinho libertar as massas trabalhadoras do campo do jugo dos capitalistas e dos proprietários rurais”, conduzindo-as à luta de classes, “ou, pelo menos, assumindo sua causa” (III Internacional, 1989, p. 99)
[4] A Classe Operária circulou, com periodicidade e formato irregulares, entre 1925 e 2019 (a última edição que tivemos acesso foi lançada no dia 1º de maio de 2019). De 1925 a 1962, esse periódico estava sob controle do PCB. A partir de 1962, com a cisão do partido, o periódico se transformou em órgão oficial de comunicação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
[5] Brandão dedicou parte significativa de sua vida à construção do PCB, atuando como militante de base, teórico e dirigente.
[6] Nas notas introdutórias à edição publicada, em 2006, pela Editora Anita Garibaldi, Eduardo Bonfim afirmou que Brandão, além de ter sido o primeiro editor e diretor do A Classe Operária, escrevia para o jornal usando os pseudônimos Krieg, Larl Krieg, Manoel Braúna e João Garroeira. Infelizmente, o artigo em análise não foi assinado, por isso, tomamos a precaução de não apresentar Brandão como autor, embora as semelhanças sejam muitas.
[7] A título de ilustração, destacamos o trecho da obra de Brandão: “O cangaceiro, revoltado, ao mesmo tempo, degenerescência do cavaleiro mercenário. O trabalhador rural negro, proveniente do escravo exatamente, como o vilão-servo medieval” (1926, p. 50).
[8] Dez anos depois, em 1929, essas mesmas pautas constariam na “Resolução sobre a Questão Camponesa no Brasil”, primeiro documento agrário do PCB, publicado na revista La Correspondencia Sudamericana, de Montevidéu (SANTOS, 1996).
[9] Nessa notícia, o termo “feitores de casaca” foi utilizado para se referir ao juiz que negou o habeas-corpus aos padeiros, presos durante a reunião para fundação de um sindicato em Pau d’Alho.
[10] Brandão atentou para a existência de uma irrisória “pequena-burguesia” rural (classificada como “pequena-proprietária”), que deveria ser neutralizada.
[11] Colonos eram empregados que recebiam pelo pé de café tratado e que ficavam à disposição dos proprietários para realização de diversos serviços. Muitas vezes completavam sua renda com os produtos da roça (COSTA, 1990).
[12] As ações dos colonos de Ribeirão Preto parecem mesmo ter marcado os membros do PCB. Anos depois, em 1977, Brandão lembrava, com saudosismo, as ações do partido na região: “Mas no interior conseguimos posições em Ribeirão Preto, em Sertãozinho... Imaginem vocês: uma marcha de verdadeiros colonos das fazendas de café em direção à cidade de Sertãozinho, para fraternizar com os operários - coisas assim bonitas” (BRANDÃO, 1977, p. 35-36).
[13] As informações sobre as irmandades comunistas são escassas, sabemos o seu recorte geográfico, a sua durabilidade e que, assim como as ligas comunistas, foram criadas para organizar os assalariados rurais, meeiros, parceiros, posseiros e pequenos proprietários (SILVA, 1994).
[14] Em 7 de maio de 1947, o PCB teve seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por consequência, a atuação das ligas camponesas comunistas foi interrompida. Alguns núcleos tentaram continuar agindo, mas foram repetidamente reprimidos. Como veremos, o fim dessas ligas e a clandestinidade imposta ao PCB — suspensa durante o governo de Juscelino Kubitscheck (1956-61), quando o partido atuou de forma semilegal — não significaram o fim das ações pecebistas no campo brasileiro. Entre 1947 e 1964, o PCB atuou sistematicamente no campo brasileiro, organizando associações, sindicatos, manifestações etc. (COSTA, 1990).
[15] Defendiam uma tese, utilizavam fontes, principalmente os censos, e dialogavam com obras científicas.
[16] A tiragem dessa revista era de 120 mil exemplares.
[17] Cabe destacar que o último número da revista foi dedicado à tradução das principais falas, discussões, informações e diretrizes desse Congresso.
[18] Percebe-se que ao falar da grande propriedade capitalista, o termo camponês não é mais utilizado.
[19] Como mostrou Medeiros (2010), no período de 1930 a 1945, o Brasil foi governado por Getúlio Vargas, responsável, dentre outras ações, por intensificar o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores urbanos. Durante esses anos, lutou-se para que os mesmos direitos fossem estendidos aos trabalhadores rurais, principalmente o direito de associação paralela. A esse direito se opôs o patronato rural. Por exemplo, em 1944 foi promulgado o Decreto-lei no 7.038/1944, que garantia o direito de associação paralela aos trabalhadores rurais, cabendo ao Ministério do Trabalho emitir a autorização para funcionamento. Em resposta, o patronato rural conquistou a promulgação do Decreto-lei no 7.449/45, que — sem revogar o anterior — previa a criação de associações rurais mistas, não submetidas a critérios de enquadramento profissional, e sim à jurisdição territorial, além disso, previa que o Ministério da Agricultura seria o responsável por autorizar o funcionamento dessas associações. Os trabalhadores, como Lyndolpho Silva destacou, demoraram a reivindicar a aplicação do Decreto-lei 7.038 — nas suas palavras, “nessa conjuntura de 1953-54 nós descobrimos que havia um Decreto-lei de Getúlio Vargas de 1944 (...) regulamentado pela portaria 14 (...) Só a partir de 1954 é que começamos a tentar aplicar esse decreto” (SILVA, 1994, p. 71-72). Ainda assim, reivindicá-lo não era garantia de sucesso. Primeiro, o patronato argumentava que o Decreto-lei no 7.449 inviabilizava o anterior (MEDEIROS, 1995). Outro fator era a dificuldade de obter o reconhecimento por parte do Ministério do Trabalho. Para fundar um sindicato rural era necessário constituir uma comissão organizadora, realizar uma assembleia de fundação e esperar por meses pela difícil autorização de funcionamento (COSTA, 1990). Até o final da década de 1950, apenas cinco sindicatos de trabalhadores rurais haviam recebido autorização para funcionamento (DEZEMONE; GRYNSZPAN, 2007). A situação começou a mudar em 1962, com a promulgação das Portarias nos 209-A/25 e 355-A, que regulamentavam o sindicalismo rural no Brasil, tomando por base o Decreto-lei no 7.038/1944. Tais portarias proporcionaram “uma verdadeira corrida pela formação de sindicatos de trabalhadores rurais no país” (RICCI, 1999, p. 51). Nessa corrida, a Igreja Católica foi favorecida pela relação tecida com o ministro do Trabalho André Franco Montoro (setembro de 1961- julho de 1962), filiado ao Partido Democrata Cristão. Em 1963, o número de sindicatos pecebistas reconhecidos aumentou significativamente, resultado da nomeação de Almino Afonso, aliado do PCB, para o cargo de ministro do Trabalho (RICCI, 1999).
[20] Resultado do fortalecimento das redes do partido. Os teóricos pecebistas das décadas de 1920 e 1930 enfrentaram grandes dificuldades para ter acesso às obras clássicas do marxismo. As poucas que chegavam eram principalmente em espanhol e francês, tendo que eles mesmos iniciarem, na clandestinidade e sob intensa perseguição, a tradução, impressão e circulação das obras (BRANDÃO, 1977, p. 16).
[21] As proposições de Kautsky e de Lênin foram referências para as estratégias traçadas nos congressos da III Internacional. Com relação a Kautsky, destaca-se a obra A questão agrária (1899), em que analisou as peculiaridades do capitalismo nas áreas rurais. Para ele, o capitalismo agrário, diferentemente do processo de expansão do grande capital em áreas urbanas, não pressupunha a extinção dos produtores de bens de menor valor, pois a pequena propriedade camponesa beneficiava o patronato rural, ao possibilitar a extração de renda fixa por meio do arrendamento, contornando, assim, as sazonalidades da produção; e ao fornecer força de trabalho barata e constante. Esse lugar da pequena propriedade no capitalismo agrário explicava, para Kautsky, o conservadorismo pequeno-burguês dos camponeses, sua alta propensão a apoiar os setores burgueses na luta de classes e, por conseguinte, a necessidade de serem politicamente neutralizados (ALAVI; SHANIN, 1988).
[22] Em 1899, Lênin, pretendendo demonstrar aos setores populistas russos que o campo não abortaria o desenvolvimento do capitalismo no país e que não era tão estável ou homogêneo quanto parecia, caracterizou as áreas rurais a partir da lógica das relações de mercado, atentando para a exploração praticada pelos camponeses ricos sobre seus congêneres pobres, e pelos capitalistas agrários sobre os proletários rurais (assalariados e camponeses pobres) (SHANIN, 2005). Como mostrou Rizzi (1985), já em 1902, Lênin se colocava a favor da inserção das massas rurais nas teorizações socialistas, mas com caráter secundário no que se refere ao protagonismo na revolução — uma vez que a vanguarda continuava sendo os proletários urbanos, a única força capaz de superar as estruturas dominantes —, limitado à etapa de superação do feudalismo e implantação da revolução democrático-burguesa, e sob vigia, em razão da sua aspiração “pequeno-burguesa”. Em 1918, no VIII Congresso do PCR, Lênin retomou a necessidade de estabelecer aproximações com o campesinato, mas nos termos da “neutralização” proposta por Kautsky (RIZZI, 1985). Ao passo que o partido bolchevique aumentou sua inserção no campo e a Revolução Russa avançou, Lênin começou a criticar a eficiência das proposições que organizavam o pensamento da IC sobre a questão camponesa, pois percebia que o trato monolítico do campo prejudicava ações futuras, em especial, a consolidação da ditadura do proletariado (RIZZI, 1985). No IV Congresso, em 1923, Lênin, contrapondo-se às propostas de Varga e Vera Kostrzewa — que pensavam a proximidade com as massas rurais por meio do atendimento parcial às reivindicações, somente para fortalecer as ações revolucionárias dos operários urbanos (RIZZI, 1985) —, criticou “a divisão operada entre a função revolucionária do proletariado agrícola e a dos semiproletários, pequenos camponeses” (RIZZI, 1985, p. 236), defendendo a existência de dois sujeitos revolucionários (proletários e massas rurais), cuja aliança deveria ser repensada para além dos aspectos econômicos e da fase democrático-burguesa. Essa intervenção contribuiu para que o programa agrário do congresso incluísse as lutas cotidianas (questões materiais e de primeira necessidade) da população rural, superando os aspectos demasiadamente abstratos e futuristas das teses agrárias do II Congresso: direito de greve; liberdade de reunião; aumento salarial; melhores condições laborais; jornada de oito horas; seguro contra acidentes; seguro velhice; proibição do trabalho das crianças; construção de escolas técnicas; provisão de insumos e maquinários (meios de produção) a preços baixos; isenção de impostos; redução das taxas de arrendamento; e apoio dos sindicatos de trabalhadores agrícolas à causa dos meeiros (III INTERNACIONAL, 1971).
[23] Entre 10 de junho e 22 de julho de 1960, Caio Prado Júnior publicou no periódico Novos Rumos sete artigos com o título: “As Teses e a Revolução Brasileira”.
[24] Segundo Silva (1994), membros do PCB regularmente utilizavam pseudônimos a fim de contornar a repressão.
[25] Nas primeiras edições de A Classe Operária, os assalariados rurais, por vezes, eram chamados de “trabalhadores da enxada” ou “enxadeiros”. O título do primeiro jornal pecebista voltado especificadamente à população rural, O Guatambú (1946), fazia “referência direta a uma árvore cuja madeira era utilizada para se fazer o cabo da enxada, instrumento de trabalho tão comum ao universo rural” (BARBOSA, 2014, p. 14) — este periódico, impresso na cidade de Cosmorama (distrito de Tanabi, região de São José do Rio Preto), era voltado aos trabalhadores rurais do interior do estado de São Paulo; cabe ainda destacar que sua periodicidade é desconhecida (TUCCI; KOSSOY, 2003).
[26] Lançada pelo PCB em 1955, a Campanha tinha por objetivo divulgar a bandeira da reforma agrária para diferentes setores da sociedade brasileira e, assim, recolher assinaturas de apoio ao Memorial, dirigido ao presidente e ao Congresso Nacional. Este Memorial apresentava a reforma agrária como recurso fundamental para o desenvolvimento do país, atentando para sua capacidade de estimular o crescimento do mercado interno e, concomitantemente, promover a justiça social. O tom integracionista da Campanha era balizado pelas críticas feitas por Oto Santos, durante o IV Congresso do PCB, ao trabalho político restrito a determinados setores do campesinato (MEDEIROS, 1995).
[27] Durante os seus dois primeiros anos, a Ultab participou da criação de 46 sindicatos rurais (COSTA, 1990).
[28] Essas regiões faziam parte do “Sertão Carioca”, nomenclatura utilizada pela opinião pública, na década de 1950, para designar as zonas rurais do Distrito Federal (SANTOS, 2006).
[29] BRASIL, 1948, p. 33.